sábado, 17 de dezembro de 2011

Letargia (do latim lethargia: lethe — esquecimento e argia — inacção) é a perda temporária e completa

da sensibilidade e do movimento por causa fisiológica, ainda não identificada, levando o indivíduo a um estado mórbido em que as funções vitais estão atenuadas de tal forma que parecem estar suspensas, dando ao corpo a aparência de morte.

O paciente jaz imóvel, os membros pendentes sem rigidez alguma, a respiração e o pulso ficam praticamente imperceptíveis, as pupilas dilatadas e sem reação à luz. Há casos em que o paciente, apesar da inércia absoluta, tudo percebe e compreende, mas se encontra totalmente impossibilitado de reagir de qualquer forma. Por motivo da atividade psíquica conservada durante esse estado letárgico, dá-se o nome de letargia lúcida.

Antigamente, devido a falta de recursos da medicina, havia casos de pessoas dadas como mortas e que, posteriormente, no caso de exumações, verificou-se que o cadáver se encontrava em posição diferente da qual fora colocado no caixão ou de tampas arranhadas, sugerindo que tais pessoas foram enterradas vivas durante um estado letárgico. Atualmente a medicina reconhece como mortas somente as pessoas que não apresentem nenhuma atividade cerebral, o que impossibilitaria tal fato.

Essa era a versão inicial de um texto sobre letargia, que fui incumbido de revisar. A versão corrigida segue abaixo.

Letargia (do latim lethargia: lethe — esquecimento e argia — inacção, o que significa que a letargia equivale a uma autoanulação que tem como fundamento o desejo do indivíduo de esquecer a vida desgraçada que leva) é a perda temporária e completa da sensibilidade e do movimento por causa fisiológica, ainda não identificada, mas certamente, como apontam os especialistas, disparada por fatores objetivos e subjetivos tais como o ceticismo, a hipertrofia de relações virtuais, a ruptura de relacionamentos amorosos e o consumo excessivo de queijo do tipo popularmente conhecido como "polenguinho", levando o indivíduo a um estado mórbido em que as funções vitais estão atenuadas de tal forma que parecem estar suspensas, dando ao corpo a aparência de morte. Nos casos em que a aparência de morte preexiste, ela costuma apresentar-se intensificada.


O paciente jaz imóvel, não adianta bater na porta do quarto, os membros pendentes sem rigidez alguma, como um mamulengo, a respiração e o pulso ficam praticamente imperceptíveis, como uma criança que finge estar dormindo, as pupilas dilatadas e sem reação à luz (não adianta ficar apagando e acendendo, só vai queimar a porra da lâmpada). Há casos em que o paciente, apesar da inércia absoluta, tudo percebe e compreende, mas não reage de qualquer forma.  Na verdade, ele tem a mais radical convicção de que, mesmo entendendo o que se passa, qualquer reação de nada adianta. Por motivo da atividade psíquica conservada durante esse estado letárgico, dá-se o nome de letargia lúcida. Como se vê, é uma letargia meio capenga. Mas igualmente letárgica.

Antigamente, devido à falta de recursos da medicina, havia casos de pessoas dadas como mortas e que, posteriormente, no caso de exumações, realizadas em geral com fito necrófilo, verificou-se que o cadáver se encontrava em posição diferente da qual fora colocado no caixão (em poses alegóricas, por vezes eróticas) ou de tampas arranhadas, sugerindo que tais pessoas foram enterradas vivas durante um estado letárgico e com as unhas grandes. Ao menos é o que se pode concluir se tomarmos como referência os apontamentos predominantes entre os estudos realizados sobre a possibilidade de movimentação dos mortos (descartando, assim, a emergente teoria da necromobilidade) e os estudos sobre o número de gatos que conseguem penetrar nos caixões (é unanimidade entre os pesquisadores de que isso ocorre em apenas 17% dos casos). A movimentação do letárgico demonstra que o estado de letargia pode ser revertido em menos tempo do que se costuma presumir - principalmente do que costumam presumir os letárgicos. Não é raro que, apenas em alguns dias, seja encontrado um sentido para a vida ou que se supere a situação amorosa problemática, por exemplo. O enterro pode ser um fator estimulante nesse sentido. Já houve casos também em que o caixão foi encontrado vazio, e as pesquisas mais avançadas hoje cuidam de descobrir se os letárgicos, nessas situações, teriam voltado a si e escapado da cova ou simplesmente se desintegrado (ou as duas coisas). Atualmente a medicina reconhece como mortas somente as pessoas que não apresentam nenhuma atividade cerebral, o que consiste em um procedimento parcial, pois não se enquadram neste conceito aqueles que, mesmo apresentando bom funcionamento cerebral, não vivem.


domingo, 11 de dezembro de 2011

Eu perseguia perseguia ela que se encostou se encostou na parede mas quando eu golpeei ela se esquivou merda horizontalmente ao longo da parede porque nossa era hábil e porque sabe eu não queria fazer aquilo que faço a menos que fazer aquilo que faço como uma missão com ela que fazia fazia o papel o papel de fugir de tremer de temer de poderíamos ser atores o seu papel de lá no fundo devia rezar com as lembranças por segundo ou menos e cada investida contracenando um novo que devia ser bloco sem intervalo e furo assim tudo num grande bloco de instinto cuidado amoroso pânico e lembrança sem gritar a proximidade tanta da morte capaz de revelar num flash confuso e branco o que há de mais seu porque é claro que todo extremo é um vulcão e que é preciso matar e saber pra dormir que apaguei a erupção que lembrava tremia e se esquivava de venha não tenha medo fogo para os braços da pronto porra esse caralho na hora que o cachorro latiu embora a perna dela demore a caiu estava no meio do movimento quando o corpo sob o limite e então hum e então gota sangue dela gelada transparente era o sangue dela sim não era água não na minha perna não ali puta que o pariu o sangue da barata na minha perna e então a busca e então daquilo daquele significado daquilo porra daquele significado daquilo que é pra eu não matar ou pra ela me matar ou pra eu matar e ser castigado e o fim é então o castigo ou a perna dela que demora a cair o sangue e a gota dele dela na minha são as pernas é pra isso matar e cair uma gota de sangue na minha perna e eu em busca daquele significado daquilo que pois como se não bastasse essas formigas por toda parte já faz tempo que tramam um plano pra conquistar a casa o quartel o palácio e talvez aliadas das baratas e dos livros espalhados pelo quarto que nos cercam e ninguém sabe o que fazem enquanto se dorme mas sobem em mim as formigas as baratas os livros e a massa que eles formam como se fossem me atacar nessa disposição estratégica e como se atacassem pois estão me atacando mesmo que e eu finalmente sei contra a parede e me esquivo ser barata perna limite extraio o que posso e destruo meu corpo e descubro a razão que é essa a razão pela qual eu sou estou eu aqui nessa hora entre os latidos do cão em sua própria boca que é a razão pela qual tudo é o que é e está como a barata se esquivou tremeu lembrou além de amar como eu e a erupção enquanto a gota escorre pelo corpo gelado e transparente somando-se ao meu vermelho.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Trecho de Poema Sujo, Ferreira G..

Mas sobretudo meu
corpo
nordestino
Mais que isso
maranhense
mais que isso
sanluisense
mais que isso
ferreirense
newtoniense
alzirense
meu corpo nascido numa porta-e-janela da Rua dos Prazeres
ao lado de uma padaria
sob o signo de Virgo
sob as balas do 24º BC
na revolução de 30

e que desde então segue pulsando como um relógio
num tic tac que não se ouve
(senão quando se cola o ouvido à altura do meu coração)
tic tac tic tac
enquanto vou entre automóveis e ônibus
entre vitrinas de roupas
nas livrarias
nos bares
tic tac tic tac
pulsando há 45 anos
esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,

combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vidamorte.


vida
ávida,
divida;
dividida
dádiva
da 
vida:
diva
dia
noite 
tarde
cedo
eu
não
cedo
nem
tar
de
vido
ávida
di
vidro
vida
plástica
cirúrgica
seu
pa
pel
plástico
vidro
de
vi
da
vi
da
vi
dro
em 
você
vi
dra
do
ca
co
de
vi
dro
em 
vo
cê,
o
que
vo
cê 
quan
do
crer
ser
vi
vi
aqui
lo
go.
não
lá:
men
te
diz
pensa
vir
ver
ver
da
de
ira
vida.
não
a
dia
a
á
vida
diva
va
dia
zia
da 
vida
não
du
vida
de
na
da
nem
do
na
da
na
da
mor
te.

a
mor
te
cer
ter
si
do
te
mor
te
vi
da:
o
a
mor
jun
ta
vid
a
mor
te.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Almir.

Nunca deixe a faca sobre a mesa, era o que eu sempre pensava, após lavar o que havia restado na cozinha, normalmente entre as três e as quatro horas da manhã. O que eu sempre pensava, o que eu sempre temia, temer é quase igual a pensar; é igual.

Eu lavo a madrugada, eu a purifico. Promovo esse ritual sob a sombra do sono deles, quando acordarem perceberão. Gosto da limpeza e dessa invisibilidade servil, dessa negação da pretensão, que coisa mais cristã, Cristo era virginiano? Um virginiano que nasceu de madrugada. Não, ele fazia milagres pra todo mundo ver. Enquanto eles sonham e descansam, sou eu quem cuido.

Me dei conta, em meio aos garfos, de que o silêncio estava agitado. Não era um silêncio verdadeiro, entende?, o alumínio roçava sobre o silêncio, rangia, deixava a madrugada mais suja. Por toda a parte, eu sentia a gordura e, na minha mão oleosa, eu ouvia o rangir, agora somado aos gritos, que eu julgava já ter calado, um a um. Um a um, um a um, um a um. Foi por isso que costurei, me agradam os mais diversos trabalhos manuais. Funcionam sempre como uma limpeza, a purificação, mesmo que incompleta, sempre incompleta. 

O rangir se tornava mais alto. Já não era possível distinguir entre ele e os gritos, por mais que eu esfregasse. Fundiam-se. Do mesmo modo eu me sentia mergulhado em gordura, parecia partir das mãos para o corpo todo, circulava em mim. Nunca houvera madrugada tão suja. Pela fresta da janela, eu via a massa espessa de nuvens, e a minha sensação de impregnação se totalizava.

Lavei pela última vez as mãos, guardei todos os utensílios nas gavetas correspondentes. Quando ouvi aquele riso contido ao pé da porta, tive certeza de que haviam finalmente encontrado o pai e os irmãos, e de que já estavam prestes a entrar. Tive tempo apenas para esticar o braço, alcançando a mesa, e me posicionar junto à parede. Nunca foi do meu interesse que aquilo durasse para sempre, era tudo tão inevitável quanto uma espera. Teria que sujar ainda mais aquela madrugada, a fim de poder, definitivamente, deixá-la limpa. Agora entendia porque, em meio aos gritos e ao som cortante do alumínio, me chegou o aviso sobre a faca. Nunca deixe a faca sobre a mesa, era o que eu sempre pensava.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Vela.

As sombras sabem. As sombras são cúmplices.

Sei que, quando essa vela acabar, vai incendiar aquela palha e finalmente pôr isto aqui abaixo. Sei que, quando ela acabar.

Não olho para ela. O fogo pede meu olhar, que eu nego. Não devo respeito nenhum a quem pode me destruir.

A sombra da cadeira observa tudo, flamejante. As sombras sabem. As sombras são cúmplices.

Vejo como o pavio queima, como a chama lhe espanca, numa batalha em que, apesar de árdua, já se sabe quem será o vencedor. Não é fácil para um homem derrotar um muro. O fim da vela é uma flor iluminada, é uma mesa de centro bonita de presépio.

A flor de fogo sacode. Avisa desesperada ou excita-se sob a proximidade do fim, a eternidade: nosso amor era um pavio. O pavio não deixa rastro, o pavio nunca existiu; o pó.

Deixo o cachimbo, ainda com fumo, que acendia com o fogo da vela. Reparo nas sombras que me traíram, omitindo-se de confirmar a minha versão dos fatos, o que quis dizer confirmar a sua; a sua versão filha da puta e mentirosa dos fatos. Os seus fatos.

Minha mão se movimenta independente de mim: falta muito pouco para nada. Tento fazer como daquela vez, sentir o meu corpo em ligação com uma parte do que eu espero. Estou num dia pouco inspirado. Talvez devesse ter escolhido um dia melhor para, finalmente, descer. (Velas parecem com crianças, que parecem com a vida: quando se está sempre observando, nunca se percebem as mudanças.)

Passo um a um por meus pensamentos. Retiro à força suas mãos da minha cabeça, de que querem se apropriar; sigo meu caminho. Essa obstinação não me vem todo dia. Pouco inspirado, mas obstinado, fiz a opção certa, terra. Só espero que a vela ainda me permita pensar um pouco mais, sobre ela.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Corretossexual.

Reto.
É reto.
Ereto:
Eretossexual.
É retossexual.

Reto.
É reto.
Co-reto:
Corretossexual.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Correspondência - A um companheiro.

Cara, bom receber essas notícias. Notícias, uma porra, são muito mais que notícias, notícias são frias, porque são mortas. Enfim, a questão é que pensei que poderia dizer algumas palavras sobre ele. Ele, o sentimento. Movido por ele. Então, não mando notícias.

Não mando notícias e poderia dizer que tem parecido pra mim que ele não está só em mim, nem só em ti, apesar de que não são muitos os que o percebem ou que falam ou escrevem sobre ele com profundidade, violência e delicadeza, e apesar de que isso não pode nos roubar a singularidade da nossa angústia, da nossa dor. Porque se nos tirarem até isso - não, não podem.

Poderia dizer, então, que ele é algo muito maior, ele que tem nos inquietado, ao mesmo tempo em que nos paralisa - aprendemos que o paralisado não está quieto, está paralisado e, muitas vezes, sempre, pulsa. Isso porque sei, isso porque hoje tu não foi o primeiro que me escreveu sobre peso, cansaço, fugir. Sobre esse incêndio que quer negar e explodir. Não: esse incêndio que nega e explode.

E o que aterroriza, enfurece, seduz e puxa é esse conjunto; é a constatação de que, em todos nós, além de tudo que ele já é, ele guarda uma espera. É como se ele não fosse, e nós também não. Estamos prestes. Esperando ou sendo esperados, desesperados, parece que essa é a forma através da qual nos guardamos, e aguardamos. Por.

Eu não sei, meu velho, essa é a minha certeza óbvia.
A incerteza, que é tudo o que realmente importa, é de que estamos numa corda bamba, em que é preciso lutar e se entregar. Lutar, para manter a mínima estrutura, para não se permitir tragar por completo; mas é preciso também deixar-se levar. O conceito gramsciano de crise parece que se aplica também pra cada um. Talvez resistir intransigentemente - algo a que já estamos acostumados - neste momento, signifique conservar - algo a que não estamos acostumados.

Um grande abraço, companheiro.

sábado, 26 de novembro de 2011

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Procedimento

O procedimento aqui descrito, de modo geral, não é realizado com frequência nos dias de hoje. Isso equivale a dizer que são poucos aqueles que o realizam, apesar de certo crescimento recente do número de indivíduos que têm buscado tal técnica, por um motivo ou por outro. Mesmo diante dos riscos (é verdade, há certos riscos) que o procedimento oferece, cientistas, pesquisadores e especialistas e autoridades renomadas no assunto sustentam que não é esta a questão. Em verdade, efeitos fisiológicos causados pelo consumo excessivo de enlatados e pela exposição excessiva a determinados elementos contidos na luz emitida pelos aparelhos de TV (ou seja, o consumo excessivo de enlatados) seriam os principais fatores capazes de explicar os limites de sua disseminação. Sem mais, passemos à descrição do procedimento, em todas suas etapas.

Existe um pedaço de metal (chamado “trinco”) junto ao pedaço de madeira (chamado “porta”) situado próximo àquela parede envelhecida (chamada “parede envelhecida”). O primeiro passo consiste em girá-lo com uma das mãos (se necessário, com as duas, no entanto, não é necessário aqui empregar grande esforço, sendo importante que se reserve energia suficiente para os passos seguintes – em geral, utilizam-se as duas mãos quando uma delas encontra-se demasiadamente oleosa, o que esperamos que não seja o caso), puxá-lo e ultrapassar o virtual retângulo (usualmente, trata-se de um retângulo, mas não deixe de ultrapassá-lo caso se trate de outro polígono ou de polígono algum), no qual, antes, estava situado o pedaço de madeira (chamado “porta”, o mesmo mencionado na primeira linha do presente parágrafo).

Ultrapassada a Etapa 01, descrita acima, passemos ao desenvolvimento da segunda etapa. A segunda etapa consiste, de início, em uma caminhada despretensiosa, com o objetivo apenas de aquecer  o corpo. As caminhadas, como se sabe, são bastante benéficas para o organismo humano, sobretudo as despretensiosas, por serem desprovidas de pretensão. Após a caminhada despretensiosa com o objetivo apenas de aquecer o corpo, o que não chega a constituir propriamente uma pretensão, localize, em seu entorno, algumas injustiças, de simples visualização (pode ser uma daquelas injustiças já bastante banalizadas, encontradas perto de casa, como um mendigo comendo lixo, um morador de rua dormindo sob a fachada de uma loja de colchões, ou uma criança limpando pára-brisas. Aliás, é verdade que o procedimento também pode ser realizado em outras modalidades, como, por exemplo, a modalidade “sem sair de casa”, bastante confortável, em que o próprio indivíduo que realiza o procedimento ou a mulher que assume todas as tarefas domésticas sozinha costumam configurar exemplos amplamente acessíveis de injustiça para a realização deste segundo passo. Mas a modalidade “sem sair de casa” pode ser abordada em sua especificidade n’outra oportunidade, sigamos).

Chegamos, enfim, à terceira etapa. Exige-se, aqui, grande concentração, uma vez que se faz necessário que o participante adote uma postura que, muitas vezes, difere daquela adotada ordinariamente – seja no trabalho, na escola, no cabaré ou na loja de calçados. O procedimento aqui, finalmente, refina-se, revela seu verdadeiro teor. Por isso, é natural que nem sempre esta fase seja superada em uma primeira investida. Em verdade, os dados coletados apontam que, em 0,12% dos casos, os indivíduos envolvidos não conseguem superar o primeiro passo (provavelmente por suas mãos estarem absurdamente oleosas); já em 6,3% das situações, o segundo passo não é vencido (pelo fato de alguns participantes não estarem devidamente familiarizados com o termo injustiça); e, em 17,8% das experiências relatadas, o obstáculo reside nesta etapa, a terceira. Portanto, atenção. Concentre-se na explicação que lhe será oferecida, observe o significado de cada termo, pois nenhum deles está aqui por acaso – cada palavra provém de um aprofundado estudo, de uma larga experiência acumulada, de tentativas-e-erros, da doação de milhares de homens e mulheres que dedicaram sua vida a este assunto. Recomendamos, então, que se sigam as orientações rigorosamente, isto será decisivo.

A terceira etapa é assim: consiste em perguntar porquê.





(texto meio velho, meio besta, meio inspirado demais em cortázar, sem que isso tenha a ver com ser meio besta, mas tendo a ver com ser meio velho, sem que isso signifique um abandono da leitura de cortázar, pelo contrário, mas se tratando simplesmente de uma ligação cronológica entre esses eventos. eventos?)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Você não tem sentido.
Você não tem sentido.
Você não tem sentido.

Era isso que ele dizia? Era. Assim, com essas várias caras que tu fez? Urrum. Assim, uma pra cada vez. Tu entendeu? Eu entendi, do meu jeito. É, entendi do meu jeito, então, sim, entendi. Mas não achei tão bom, não. Tu relacionou com as caras, na tua forma de entender? Relacionei. Relacionou as frases com as caras? Relacionei. E até lembrei daquela música que tu cantou uma vez, só uma vez, que tu disse que fez e nunca mostrou, nunca tinha mostrado e nunca mais mostrou, pra ninguém, que tinha uma coisa de sen-ti, de separar a sílaba e separar o sentimento e separar a pessoa , a pessoa que está sen, senti. Eu entendi, sim, que cada cara tinha um sentido, um sentido, um sentido, e que cada sentido tinha um sentido, um sentido, um sentido, me lembrou inclusive uma sacada, se não me engano do Quintana, Quintana me lembra fruta, sempre, acho que por causa de quitanda, que palavra rechonchudinha, quitanda, uma sacada que vi por aí, solta, quem faz sentido é soldado, devia ter mais alguma coisa, mas o fundamental era isso. Hum. ... Se a ideia for mesmo que pra cada frase existe um sentido, eu ainda colocaria uma quarta vez, um quarto sentido. Era? Qual? Por quê? Porque sim. Porque, ó, ainda dava pra trabalhar a falsa diferenciação entre você e eu. Essa divisão aparente, forjada, que parte o nós, que mutila o todo. Eu achava que isso já tava aí. Era? Como? Como se uma dessas frases já ocupasse esse espaço? Era. Pra mim, não. Pra mim, são outros três, outros três que estão aí, a não-diferenciação só se for escondida por detrás. E quais tu acha que estão aí? Todos os outros, numa gradação, como algo que acumula, e que cresce. Hum... Três. ... E se tivesse um quinto, já seriam cinco sentidos, né? É, e com um sexto, E com um sexto, eu vejo seis sentidos, Haha, Essa piada besta, Desse filme Besta, que eu não vi, Besta, besta, Demais.

sábado, 5 de novembro de 2011

Ando cada vez menos certo - mais errado e mais incerto - sobre meu paradeiro. Sei que essas pessoas que eu encontro, com quem converso, não são reais; sei que elas não passam de eu falando para mim. Como este homem, este falso homem-eu, que insiste, "é preciso saber entrar, e é preciso saber sair". Insiste e, ao insistir, dilui-se; mostra sua verdadeira face: névoa: névoa feita de mim. Ele me é, nessa forma que eu encontrei, clandestinamente, de me sacodir, de me fazer ver, de me dar um tapa na cara para que eu pare de me tapear. Através dele, sou eu quem grito. Sou eu quem sei que o passo precisa ser largo, a ponto de vôo, a ponto de alto, a ponto nenhum. Percebo, sobretudo, nesse ônibus, como sou passageiro, a ponto de eterno. Como este homem; como o vento; como eu: Urano atua em mim.
Uma formiga                      Uma formiga                      Uma formiga                                            
                                    trombando na outra                           
__no varal_________________no varal________________no varal___

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Tio Fransquim,

que guardava um pedaço de pão no bolso, que preferia comer o pedaço de pão na rua, escorado, antes de entrar em casa. Que só dizia "como vai ela?", e se calava, diante dos sobrinhos. Era o jeito dele.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Seu Cabral.

Seu Cabral apareceu, para salvar o dia. Me descobriu ali sentado, descobriu a minha vontade de que o dia fosse salvo, descobriu tudo isso, o que significa que não tinha nada a ver com o navegador homônimo que chegou para nos roubar. Eustaco?, Cabral, algo parecido, pediu que lhe chamasse apenas de Cabral porque o outro nome era, era o quê?, não era difícil, era sofisticado, algo como isso. Pediu licença, baixinho, sentou para palestrar, o disco de Nelson Gonçalves na mão. Me mostrou. Eu disse que o disco era muito bom. Pensei em falar do meu pai, que também gosta muito da voz do homem; pensei em falar de discos, vinis, da vitrola que havia arrumado; pensei em ouvir, e optei por ouvir. Me perguntou de onde eu vinha, onde morava; primeiro, se eu era "acadêmico"; e me chamou de doutor. Insistia, eu ia ser um grande doutor, um grande doutor, e que eu estava vencendo na vida, vencendo na vida, vencendo... Eu respondia, como de costume, que nós, que nós, e que doutor se faz vivendo. E ele concordava-mas-insistia, como num "é, mas você, né... tem anel no dedo, tá estudaaano...", os olhos dele eram baixos. Era muito curvo, e gostava de falar com a cabeça inclinada, o olhar lançado por cima dos óculos. Eu o olhava fixamente, e tive a sensação de que ele não esperava tanta atenção. Nisso, ele se dividiu: parecia querer conversar, parecia não querer demorar. Mas não resistiu quando falei de novo em Nelson Gonçalves, elogiando as músicas do disco e cantando um pedaço de "Atiraste uma pedra": ele, já de pé, desandou a cantar; até que: "difícil no amor ééé saber renunciar - e é mesmo, viu? o mais difícil no amor é saber renunciar, é o mais difícil..."

Quando acabou, desafiou-se a adivinhar minha idade. Me pediu para não dizer, e acertou, sob uma margem de erro de alguns meses; eu era novo, eu ia ser, mesmo, um grande doutor. Apertou a minha mão pela última vez, desejou tudo de bom para mim e para minha família, pela última vez; disse que eu era uma boa pessoa e que ele também estava vencendo. Pela primeira vez. Foi embora. Ainda interrompeu o percurso quando uma criança lhe chamou, pedindo que lhe trouxesse a bola que havia chutado para longe. Palestrou com o menino, fez dois ou três carinhos em sua cabeça cacheada e partiu. Outra criança, que brincava sozinha, agarrou a bola; mas o menino, com raiva, lhe tomou o brinquedo de volta.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ele não tinha nome.
Ela não tinha nome.

O fundo do mar
é anônimo.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Não sei o que era.

O que entrou aqui parecia um morcego, parecia um beija-flor; parecia uma borboleta, parecia tudo isso junto, um ornitorrinco; mas, agora, tenho quase certeza, era uma mariposa. Cristã. Grande e cristã. Quando ela se aproximou da luz, consegui ver aquela mancha vermelha, o corpo dela era grosso, será que aquela porra era uma mariposa mesmo? Grande e cristã demais.

E vermelha, entrou pelo quarto voando bêbada, a ornitorrinca cambaleante; entrou pela porta, não foi pela janela, não, antes que você pense, antes que você ache, antes que você diga. A diferença entre o ponto e o ponto e vírgula é o tamanho da expectativa. Maripousou – é uma associação inevitável,  pensei até que se escrevesse “maripousa”, de tão inevitável, mas, mesmo não se escrevendo, o nome tem essa origem, junto com Maria, que bonito – Maria pousou bem em cima da porta do guarda-roupa. Tem uma listra marrom lá, talvez ela tenha sentido afinidade de galhos para com ela. E ficou lá. De boa. 

Comecei a me sentir incomodado, a maripousa no meu cômodo definitivamente me incomodava. Transformou meu cômodo num incômodo, por não conseguir entender que bicho era, por ela voar tão louca e inconsequentemente, por mim. Essa incerteza sobre onde ela iria parar depois dali, esse sentimento humano de segurança que a gente persegue e não percebe: não queria matar, queria não. É uma irmã também. Nem formiga, desde pequeno. O que é que eu faço, então, essa porra, vou cutucar.

Cutuquei com a vassoura a maripousa, vou chamá-la assim agora, ú, cutuquei com a vassoUra. Com os cabelinhos da vassoUra, quase fazendo cosquinhas nela, quase não. No começo. Mas aí foi que ela inventou de buscar a luz. A luz do quarto acesa, pra que eu visse ela, ela ainda não havia buscado. Mas, eu não sei, ela era uma maripousa com dificuldades mesmo, ela não conseguia ficar por ali, na luz, nem se fixar por perto. Ela rondava, rondava, rondava – de noite eu rondo a cidade, a te procurar, maripousas são animais noturnos: As mariposas ou traças, são insetos lepidópteros da divisão dos heteróceros, que reúne espécies de vôo noturno, com antenas filiformes ou pectinadas e, em algumas regiões, os espécimes de maior tamanho e de coloração escura são chamados de bruxas. O que mais difere as mariposas das tão conhecidas borboletas é que as borboletas possuem antenas finas e com uma pequena esfera na ponta, já as mariposas possuem antenas diferenciadas de acordo com sua espécie; as mariposas assim que pousam deixam suas asas abertas e as borboletas colocam suas asas de maneira vertical. As mariposas têm hábitos noturnos, diferente das borboletas. Fonte, wikipedia.

Acho que era uma borboleta, apesar dos hábitos noturnos. As asas e, se fosse mariposa, era bruxa. A borboleta rondava a luz, mas não conseguia se fixar. Libélula não era. E acabava desistindo, pousando em algum outro lugar, mesmo que sem luz. Como pousou sobre a imagem de Maria algumas vezes. Minha nossa, só pode ser uma Maria-pousa, então. Se não, porque essa procura? Eu pegava a vassoUra, cutucava novamente, e ela luz e Maria. Luz e Maria, luz-e-Maria, Luzemaria. Ave Maria. Ave, não, voava mas não era ave, já descartei o beija-flor; a possibilidade. de ser um beija-flor. Pensei nele por conta das asas, batiam de um jeito. Assim. E isso de procurar a luz e não conseguir também, e essa infinidade de mensagens metafóricas, as simbologias xamânicas e. A borboleta-maripousa não ia embora do meu incômodo, e a porra da minha cabeça se dividia mais uma vez entre o físico e o metafísico: representação e essência, terra e água, Lua e Mercúrio, Virgem e Peixes.

A minha brilhante, luminosa ideia foi a seguinte, um plano, para o plano físico: não vou matar. O que a atrai? A luz. Então, apago a luz, trago uma luminária; acendo a luminária próximo à janela, e espanto-ela pro jardim. Por sobre a minha cabeça, aparece a lâmpada acesa dos desenhos animados. Plim.

Deu certo. Ela foi embora





E me deixou com todas essas reflexões extraterrenas. A luz, o vôo, o não conseguir fixar-se à luz, a busca pelo sagrado, Maria, Maria pousa, a mariposa como símbolo da alma e da inteligência, e da psiqué, e da metamorfose, a transformação das duas, mariposa e borboleta, morte e regeneração, eu, a desorientação cambaleante, tropeçando no ar, a borboleta como dispersão, beleza, busca, dispersão, gêmeos, madrugada, bruxa, eu, meus hábitos noturnos, o meu cômodo incômodo, a minha, de certa forma, caça, a minha, com certeza, insegurança, e o que eu vivo, o que eu vivo agora, e isso, essa mariposa-borboleta absurda ornitorrinca que eu não sei onde foi parar, que eu não sei sequer se parou, enviada pra cá pra me dizer tudo isso assim d’uma vez, me mostrar tudo isso assim sem avisar, sem talvez, sem pena, sem ave, isto é uma louca, louca que eu queria que voltasse, já preparei a luz, a santa, o guarda-roupa, volta.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Artefício.

Arte.
ficial. Super.
ficial.
O ofício
da arte
não passa
de arte.
fício.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O Escorpião Belchior. Ou Belchior, o mensageiro de Plutão... ou Hades Belchior. Um impulso.

Alguns sinais me forçam a escrever isto. Entre eles estão alguns dias sem conseguir, por razões objetivas e subjetivas, ouvir outra coisa que não seja Belchior. Me sinto mais governado do que o  contrário, o momento como um todo é profundamente isso, e isso; isso tem relação direta com Escorpião e Plutão. Em meio a isso, me vi obrigado a pesquisar astrologicamente sobre ele, ele Belchior. Encontrei um Sol em Escorpião, encontrei Lua, Marte, Mercúrio, todos em Escorpião. Isso não é pouco, não é nem um pouco pouco. São todos os planetas pessoais, aqueles que dão as características mais individuais de cada. Um, de cada todos. Busquei o mapa completo de Belchior, não encontrei, nada mais que a data de nascimento. Apesar da falta do ascendente e do posicionamento das casas, nada poderia alterar a natureza violentamente escorpiniana de Belchior.

Não me desculpe, eu vou escrevendo em meio ao caos, o momento é escorpiniano mesmo, não consigo governá-lo bem, me saí bem nisso no primeiro parágrafo, mas não era o que fluía, então me saí mal, mas sei que preciso transbordar isso, talvez com um pouco de calma, talvez tentando explicar, Escorpião é morte:, é regeneração. É profundidade, é dor, é sensibilidade máxima que arranca o velho com toda a força para que o novo venha de baixo! É o invisível, mas sensível. É a energia de Escorpião e Plutão, irmãs, similares, signo-planeta regente. Plutão, o equivalente romano a Hades, deus do Inferno, mas Inferno profundezas de novo, é o que está soterrado, abaixo, mas que vem à tona. É o que emerge sem pedir, estraçalhando as resistências (nossas, à mudança), é inconsciente, é pus, é crise, ferroada que limpa. Escorpião-Plutão mata e dá à luz. A sensação é de que, pra quem já ouviu Belchior um pouco, não é preciso, ambiguamente preciso, estabelecer a conexão, ela já está estabelecida tão por si, tão por si.....! Falo a verdade, o que sinto agora é uma extrema incapacidade, um coração batendo forte querendo gritar essa ligação, esse cordão umbilical que eu apalpo, essa verdade, falo a verdade, a verbalização dessa coisa que está sub, e que quer voar multicolorida enfim. Enfim . enfim.
Morte, morte, morte, Belchior não pára de falar em morte. Mas a morte é tão absurdamente escorpiniana que ela aparece como algo que não é fim, apesar de carregar toda a dor, toda a sua angústia densa negra e púrpura:, “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, que coisa maravilhosa!, um dos sinais que recebi pra escrever isto foi, além de perceber o momento escorpiniano como um todo, foi ser colocado, voz passiva, sendo governado, diante de um vidro cheio de escorpiões mortos, cheio dágua,  meu deus, não é possível, escorpião, signo de água, morte, como pode. Que coisa maravilhosa. “Meu corpo que cai do oitavo andar”, “mate-me logo, à tarde, às três, que à noite eu tenho um compromisso e não posso faltar”, escorpiniano, é verdade, parece pessimista, é a crise dentro dele, não falta isso em Belchior também, rapaz latino-americano que não tem um amigo sequer e a vida realmente quer dizer a vida é muito pior. A morte não é definitiva também em não levar flores para a cova do inimigo, aqui se percebe também a revanche, Plutão também como colhe-se o que se planta, pode fazer renascer  um mal antigo, eu não vou relacionar tanto, nem tudo tão explícito, deixar esses espaços vazios vai ser bom, pra que cada quem exercite essa compreensão sistêmica que é o fundamental, que é o fundamental...

Morte, aprendizado pela dor, morte e regeneração. O aprendizado é como morrer e regenerar-se para escorpião, sair mais forte de cada crise, esse é o espírito. Recentemente, eu posso meee. Considerar um sujeito de sorte. Pois apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte. E tenho comigo pensado, deus é brasileiro e anda do meu lado. E assim já não posso morrer no ano passado. Tenho sangrado demais. Tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri. Mas esse ano eu não morro. Fala por si, que merda essa sensação de que tudo fala por si que leva a uma ausência de argumentação, mas se ela é mesmo, desnecessária, que merda boa.. Ferida, dentro, dor, morte, aprendizado, regeneração. Como se argumenta um sentimento? Tem uma que fala do velho e do novo. O que transforma o velho no novo bendito fruto do povo será!, e aqui entra a subversão, não poderia haver palavra mais escorpinianamente adequada, com raiz plutoniana!, pancada. Pancada. Picada. Punhalada. O que pode ser mais profundo do que? Picada, punhalada, Belchior quer ferir, apunhalar, picar envenenando quando canta e quando antes, desde que cria. Eu quero é que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês já seria o bastante, e eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém, as ligações são tantas que a cabeça ferve, ferve, e o coração bate mais rápido do que a cabeça gira, isso não é pretensão, é sensação, isso não é sensação, é sentimento. Ponto. Ponto. Ponto...

Escorpião é todo isso, Belchior é todo isso, essa energia, borbulhando no gê, essa água profunda, ou esse fogo profundo, já que o regente noturno é sim Marte, e quem sentir essa água, esse fogo, sente nele, eu tenho certeza, e aqui, aqui eu acho que não há argumentos de novo, só essa insistência, que também é densa de onde vem. Desesperadamente, a palo seco, e pela dor eu aprendi, fotografia, a sacada do desnorteado, sons palavras são navalhas, que absurdo!, precisamos todos rejuvenescer, regenerar, tudo muda, tudo muda, mudança, passado, presente, subversão, aprendi com a noite fria a amar mais o meu dia, etc., as relações não têm fim, mas o importante era provar, mesmo sem argumento, por pura insistência, é bem vontade que com a hora apareça terra, os olhos abertos, amar mudar as coisas interessa mais, concreto, real, delírio com coisas reais.

Faltam as condições para a revisão, faltam as condições para saber mesmo que a revisão seria necessária, antes agora do que nunca, Talvez alguém pense que eu dirigi tudo, escolhi as características escorpinianas, talvez eu dirigi o  Belchior pra que ele fosse, o ceticismo é foda, mas se a pessoa não tiver sentido até agora continuará sem sentir, continuará sem sentido, não tem jeito. Esse texto é mais essa ânsia, ele é sobretudo uma ânsia, eu sou como você, eu sou como você!:

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O que importa e o que não tem controle é esse fogo que queima, que arde e que queima, independente de mim.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

No sertão, o que dá é palavra. Ela encontra boca fértil, com céu de sol, nuvem, tudo, e cresce; floresce. O sertanejo fala ela pela raiz, ou talvez não; talvez o que ele fala é semente? Vem de mais antes fala dele, coisa original. É primeira forma que vontade toma quando pinga. A palavra gosta. Se sente preservada.

Aqui, essa palavra fabricada, esse fruto transgênico: todo sertanejo não é poeta.

domingo, 31 de julho de 2011

Ou é jogo

Ou é peça.
Para bom entendedor, meia palavra basta; para meio entendedor, boa palavra bosta. Eu sempre quis dizer isso assim, em público, com alguém olhando para mim, com todo mundo olhando para mim, com sua mãe me olhando assim, com essa cara, essa boca, esses olhos, exatamente!, esses olhos esbugalhados que já não parecem mais ter pálpebras, pelo menos não o suficiente para que se diga que as têm, nunca o havia feito, falado, com alguém, tão perto, o mais perto possível haviam sido três cômodos, um corredor também, três cômodos e um corredor, não o atleta, de distância, não o atleta de distância, a três cômodos e um corredor de mim estava o meu público potencial mas não, enquanto eu dizia a mim mesmo, eu meu público, eu meu coisa oposta ao público, eu meu centro que para bom entendedor, bosta; foi. Me sinto, finalmente, como a galinha gorda, cheia, prenha, vou explicar ela depois, calma, não me julgue ainda, não me chame ainda de plagiador com essa sua roupa preta e esse capuz através do qual eu consigo mesmo assim encarar esses seus olhos fracos e magros de quem impõe com medo, galinha que julgava que me sentiria quando, quando dissesse, quando proclamasse, agora; é bem verdade que o guarda guarda e aguarda, não era isso que eu ia dizer, foi essa muher que me interrompeu, não, eu não estava falando, ela não estava falando comigo, era eu quem estava pensando, seria mais apropriado dizer vazando, dando vazão aos pensamentos, seria mais justo afirmar de uma vez por todas que é uma diarréia disso tudo que chamar de pensamento seria injusto: ela surgiu subitamente na diarréia, falando em guardar, chamando aquele homem louro, baixo, de bebê, ele não merecia; para o bem ou para o mal ou para a merda, ele não merecia, só um pouco, ser lançado no meio da caganeira e morrer afogado nesse monte de caldo de bosta; ela surgiu como nesses sonhos, você já viu os filmes do Buñuel? Você já viu, por exemplo, deixe eu citar um bom exemplo para você, você já viu o Discreto Charme, eu sei, até Oscar, eu sei, não tenho culpa, eu sei, que Oscar é uma merda, sei sei sei, mas foi assim que ela apareceu em mim. Não é o fato de o Oscar ser uma merda que torna uma merda tudo que, eu sei sei sei. Pa bo enten me pal bas. O que eu realmente, esse realmente é completamente desnecessário, esse completamente é completamente desnecessário, o que vem a ser realmente necessário? Isto também é completamente des-, eu mesmo, eu como um todo e talvez conseqüentemente tudo que eu faça se eu tomar minhas ações e meus produtos como sendo eu, eu mesmo só posso ser necessário de um ponto de vista universal, holístico, cósmico, e cala a boca que não me importa que você não goste, gostar tampouco é necessário, tampouquíssimo, mamente, de outra forma, não, não posso ser. É hora de confessar, como prometi, confessar que, confessar vem de falar junto, falar no particípio passado, con, é hora de falar junto, prometer é mandar para a frente, não tem nada a ver com meter não, meu filho, depende da promessa, é verdade, já nos encontramos à frente, aqui já é o à frente de lá, então agora é meter, ou melhor, enfiar, ou pior, enviar, fricativas lábio-dentais, convesso, seu padre, seu juiz, senhor burguês, vinalmente que a ideia de uma galinha gorda não é minha, me entrego, não é minha originalmente, mas que é hora de dar vim a esses pudores autorais, a esse maldito não me toque, tudo é criação, tudo é criação total, criação de todos, e nós não passamos: da merda de instrumentos dessa roda gigante, da putaria que é esta esvera, círculo, circo. Meia palafra, basta. 

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ele se aproximou; esteve mais próximo do que costumava estar. Em geral, mantinha-se a dois palmos, de mim, sob minha medida, tenho as mãos relativamente grandes, apesar de me referir aos pés, e à distância mantida por eles; já o rosto, o rosto geralmente entre dois e três palmos; dois palmos e meio. Agora, muito menos, a distância, digital, resumia-se a dedos, mindinhos, nenhuns, a distância era nula, tendia a zero, não havia: os olhos também, e a essa altura, e a essa distância, eu já havia percebido. Quando ele estava a dois palmos e meio de mim, os olhos, e agora era diferente, os olhos estavam sempre a mais, braços inteiros, corpos, quem sabe quilômetros de corpos enfileirados num grande cemitério clandestino, decomponha, onde os olhos dele se alimentavam de cadáveres se nutrindo e se enchendo daquela melancolia água, hidromelancolia da qual costumavam estar repletos. Quando ele me disse o que havia dito que queria dizer, quando ele finalmente Disse, o que ele me disse que havia dito que queria dizer era poesia à queima-roupa que me enterrou, me mergulhou naquela melancolia de água roxa, grossa, onde ele não vivia incubado com aqueles olhos espessos de coveiro e pá. Antes que me afogasse, inspirasse mais terra, ele conseguia ser assim água e terra-lama, recuei, dois palmos e meio, na medida das minhas mãos horrorosamente grandes, suaves, amorfas, mas vivas.

sábado, 2 de julho de 2011

Tem hora que,

ou você abre
c   a   m   i   n   h   o
ou ele
l   h   e
.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O filho pedia à mãe, dizia que era dia de chocolate:

- Não, meu filho, não é, não. Pega aquele saco pra mim.

O filho insistia:

- Não, não vou comprar e ponto. Anda, me ajuda aqui.

O filho virou pra mãe, agora já se chorando inteiro:

- Ô besteira, só porque a Lua tá exaltada em Touro em quadratura com teu Marte natal, ô besteira, vâmo s'embora! ... peste pra dar trabalho...

sexta-feira, 24 de junho de 2011

zkljcvkzjhvkjhv

Fdvnksckbdc. O que significa isso? O que pode significar um conjunto aleatório de letras? O que sempre alguma coisa e qualquer coisa pode significar como por exemplo poder escrever sem olhar para o que escrevo a não ser para as letras e para os dedos se movimentando por sobre flutuantemente, o que significa isso também?, no fundo, tanto um como outro, como todos, podem ser traduzidos em um algo que você era, traduzidos em você, euohhsad,vnak sou eu próprio, eu agora já sou sd,jnvkfkbvkv vnxmx, é isso que sou, não passo disso, a não ser daqui a pouco quando serei xclkbxclvknbjv.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Galeano. Antiga, mas sempre.

O sistema que programa o computador que alarma o banqueiro que alerta o embaixador que janta com o general que ordena ao presidente que intima o ministro que ameaça o diretor-geral que humilha o gerente que grita com o chefe que pisa no empregado que despreza o operário que maltrata a mulher que bate no filho que chuta o cachorro.

sábado, 18 de junho de 2011

Começo destelhando, pra lhe tirar qualquer capacidade de reação; destelhando, mesmo que eu não acabe, o tempo (Cronos e o outro, que não é clima) acaba, com o serviço e com ela. Essa é a parte mais difícil, ter que subir, engatinhar por sobre, por sobre ela inteira, chega a causar certo remorso, suposto arrependimento antecipado, mas depois que se termina pode-se finalmente partir para arrancar todas as portas. Poucos conhecem o prazer de arrancar portas, só superável pelo prazer de janelas, arrancar janelas. A sensação de liberdade é infinita quando se completam esses trabalhos; depois que (primeiro, delicadamente) se desparafusa uma a uma as portas, eu prefiro fazer assim, desparafuso um a um, uma a uma, com toda a calma que costumo não ter, o que também demonstra o caráter terapêutico da atividade, e, quando estão todas já soltas, como frágeis seres que aguardam o abate ou crianças que aguardam os pais para buscá-las na escola, o que no fundo é a mesma coisa, quando isso, quando tudo está pronto, inclusive as janelas, apenas decepa-se uma a uma, uma a uma, uma a uma, aquele som majestoso irá ecoar por diversas vezes, como se o ouvido bebesse alguma coisa gostosa, gelada, líquida, é óbvio se se bebe, mas densa, líquida mas densa, recolhendo-se em seguida os cadáveres. É como uma limpeza. O ar circula, há uma plena comunhão com o entorno, sem aquelas bocas que fechavam e abriam quando se queria, não se pode ter determinadas opções, certas coisas precisam nos ser proibidas, assim nos proibimos de certas coisas. Nos proibimos, e não foi a primeira vez, de portas e janelas, para quê, para você se esconder no banheiro?, cague diante de nós. Não me venha com essa autonomia auto-preservativa autoautoauto, cagão, cague para todo mundo ver. O piso não consegue ser melhor do que as portas, muito menos do que as janelas, mas consegue ser melhor do que as telhas; a sensação é parecida, na verdade, mas como o trabalho é menor, torna-se mais prazeroso, torna-se ponto médio de prazer entre portas e telhas, as janelas são demais, não entram nessa comparação, seria uma enorme, enorme nem consegue qualificar o, tamanho nem consegue qualificar essa, injustiça nem consegue qualificar a, janela. Vejo aquelas pessoas dizerem que estão sem chão, estou sem chão, duvido que já tenham realmente sentido encravar no pé o espinho que fica embaixo do piso bonitinho de cerâmica que lhes são chão, duvido que já tenham sentido esse sangue que eu sinto escorrer agora, duvido, duvido delas. Não sabem o que perdem ao não encravarem essa estaca no meio de dois quadrados, aqui são tacos, marrons com traços amarelos, que me lembram aquela avó; não sabem, encravo, firme; marreta, até que o buraco aberto seja enorme e horrível o suficiente – para abrir a terra e para ninguém mais usar esse taco horrível, antes marrom e amarelo e bonito; é quando eu sinto a terra respirar, ela bafora no meu pé e é quando lateja a raiva ainda maior, sim, ela consegue, do próximo taco imundo que devo marretar e destruir, raiva que às vezes me faz entrar um pedaço de taco no olho, e eu entendo a sua vingança e não repreendo ou tenho dó, simplesmente entendo e, em respeito, continuo com toda a agressividade para que se intensifique e se torne mais quente e molhado o bafo de terra no pé; faço isso por respeito, porque sempre julguei que, quando se respeita o inimigo, utilizam-se contra ele todas as forças; do contrário, não. Chego a pensar que talvez o piso me ofereça mais prazer do que portas, mas não chego a pensar nas janelas, já nelas não penso, seria o que eu já disse que seria, aquela coisa sem nome mas que eu sinto, penso, acho, que eu sei que sei e não preciso provar pra ninguém através dessa oralidade estúpida, através da verbalização que quer prestar contas, eu só presto contas a mim e ao bafo da terra porque ele me agrada cada vez mais, chega a fazer cócegas, chega a fazer carinho, chega a; quando acabo, quando acabo finalmente os tacos, gosto de observar como fica aquilo tudo, aquele todo, um enorme pulmão desamordaçado por mim, pelo que encravo e pelo que marreto, parece com minha origem, parece ser daí que venho para cá justamente com a missão, o intuito e o prazer de reencontrar, acredito profundamente nisso, que nossa missão é irônica e escrotamente sair da origem e sair do passado, para encontrar a origem e encontrar o passado, como se tivéssemos uma mãe que não conhecemos, vimos, mas éramos muito pequenos, é uma busca intuitiva, em algum lugar, como se o propósito de tudo fosse exatamente esse, essa a razão do jogo, encontrar essa maldita mãe que se perdeu de nós em algum lugar e agora vagar por isso tudo, caminhar nesses espinhos e nessa terra, destruir  telhas, tacos e janelas, só pra encontrar essa mulher louca que ousou nos parir. Você pode até achar isso canceriano demais, ou freudiano, demais, mas eu, eu vou concordar com você, realmente não há defesa diante disso, nem a pata de um caranguejo violento e vermelho protegendo seus filhos, nem isso, eu vou concordar com você e não posso deixar de estranhar esse aprendizado por assimilação que é meu e que não me deixa separar do que não é meu, enquanto entendo perfeitamente isso; a essa altura eu já tirei os móveis, os poucos, quase nenhum, móveis que estavam já na sala, concentrados, e a fogueira já vai alta. Esse momento é sempre importante, porque encontrar com o fogo em mim é sempre importante, é isso também uma mãe, uma carangueja, uma volta à origem, sobretudo quando estala e queima e eu sinto esse calor me encharcar o rosto como se o derretese ou derretesse o corpo d’uma vela, ou como se minha cabeça fosse a chama que arde e o resto do corpo, esse, sim, branco, fino, aos poucos e finalmente derretesse e na verdade a chama sempre pareceu com uma cabeça, um cabelo, dourado, ao vento, balançando, e os braços dentro daquele, daquela roupa toda branca, como uma roupa de padre, que tem nome mas eu esqueço, se eu esqueço tem nome?, um nome objetivo, para além de mim mesmo e da minha relação com essa roupa de padre?, tem nome:, roupa de padre, é tudo muito parecido com o Sol. Eu me sinto tomando banho de fogo e só uma sanidade abstrata e genérica ainda contraditoriamente mantida em meio a esse momento de existência quase plena é que me impede de não apenas sentir, mas de tomar, banho, mas se eu sinto tomar banho eu não tomo?, enfim, chega dessas auto-perguntas que após a primeira ou a segunda, dificilmente eu sei após qual, me deixam extremamente, nem enjoado nem enojado, repulsa, foi então que eu parti pro fim. Pras paredes. Talvez para a maioria das pessoas a parede fosse ou deveria ser ou e deveria ser o que há de mais divertido; exatamente talvez por isso eu não veja nenhuma graça. Sempre que são elas, tento observá-las, mas elas sempre me pareceram pouco vivas, só uma vez consegui ver numa delas, em várias delas naquele dia, uma expressividade, um sentimento, um coração palpitando, o que me motivou gravemente a marretá-la com toda a força que não costumo ter, desenvolver essa relação, batia batia como se não fosse possível cansar, e entendia aquilo perfeitamente, eu tenho entendido muitas coisas perfeitamente, eu entendo muitas coisas perfeitamente quando estou demolindo essa casa que sou eu, escombros.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Existem estrelas
que
só podem ser
vistas
quando
não se olha pra elas.

Isso obviamente quer dizer que

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Se alguém me perguntar porque eu não vou saber responder. E se alguém me perguntar porque eu não sei responder, eu não vou saber responder, o que é pior. É estranho isso, dizer que você não vai saber responder, se você já não sabe, né? Não é futuro, é presente. Também. É verdade. Eu também acho, penso nisso constantemente. Por que tu acha que é pior não saber responder porque tu não sabe responder do que simplesmente não saber responder? Hum, eu entendo porque tu fez essa pergunta. Por quê? Por que eu entendo? Não, porque eu fiz. E porque tu entende também. Tu fez a pergunta porque tu acha que essa resposta pode abrir uma série de feixes, ou então um leque, feixes é melhor, de coisas sobre mim e sobre a vida, e que daí a gente pode tirar uma conversa profunda, mesmo que nem venha a ser tão longa, sobre essa coisa de nós e a vida. Num foi? Foi. É como se não fosse uma pergunta que busca a sua própria resposta objetiva, ela é só uma pergunta-porta, ela serve pra acessar esse assunto que é tudo, ou o todo, o todo é melhor; não, não, é melhor tudo agora. eu também acho melhor tudo, nesse caso. E em que outros casos não seria? A coisa da dialética. Ah. Certo, não seria o termo mais apropriado. Urrum. ... Hum. Mas por que tu entende? Entendo o quê? Porque eu fiz a pergunta. Qual? Sobre ser pior não saber o porquê de não saber responder. Ah, porque eu sei. Tu entende porque tu sabe? É, como se fosse isso, eu entendo porque eu sei e sei porque eu vivo. Hum, gostei disso. Foi. Por quê? Não sei, soou bem, e tu falou de modo bem despretensiosamente natural, o olhar também foi bonito, bonito, não, assim, coerente, apropriado, igual ao tudo, igual ao todo; e foi bonito também, é verdade, o olhar também, tanto é que foi apropriado ao que tu falou que também foi bonito, então faz muito sentido que ele tenha sido bonito também, né. Sabe, eu tenho sentido dificuldade em viajar enquanto eu falo às vezes. É? Viajar enquanto se fala pra mim é aquilo de se sentir meio que passeando no pensamento enquanto a voz em formato de palavras vai saindo e aí as ideias vão vindo e tudo vai parecendo e sendo um jogo, esse jogo. Foi bom que eu fiz enquanto descrevia, foi forma e conteúdo. Foi isso que tu quer dizer? Foi, acho que foi... Hum. Só acha, né. É, mas deve ser. Urrum. ... E aí a dificuldade é que falar tem parecido mais um trabalho, um esforço, do que uma viagem, parece falta de energia. Tua glicose é baixa? Ninguém viaja sem glicose, não. Pode ser, mas é que o tempo de jejum antes do exame foi muito alto. E foi pouca a diferença. Hum, certo, mas por que é pior?, eu quero saber disso. O que é pior?, ter mais trabalho do que viagem? Porque você se sente esgotado, é como beber água de um rio seco e sentir só aquela pedra na boca cortando, não, porque é pior não saber responder porque não se sabe responder porque se alguém perguntar do que não saber responder porque se alguém perguntar. Ah, sim, achei que esse assunto já tinha morrido. Oxe, por quê?, se eu tava direto falando nisso. Porque eu achava que a porta já tinha se aberto, então num tinha mais porque ter essa pergunta-porta, ela pode ser uma pergunta-trinco também, né, porque ela ajuda a abrir a porta, você usa ela pra abrir, ela pode ser muitas coisas, essa pergunta-gênero-de-perguntas. Será que a gente podia agrupar as perguntas todas em famílias?, em grandes famílias de perguntas? Perguntas-trinco. Perguntas. Que mais. Perguntas-faca. É, perguntas-faca. Perguntas-... eu queria saber, mesmo a porta estando aberta. Então, ela não era só uma pergunta-porta-trinco-chave, ela era pra ti objetiva, era uma pergunta-faca? Não. Acho que era uma pergunta-porta-trinco-chave, mas também; também o quê? Também ela um objeto, não só meio, mas fim. Ela era as duas coisas. Huuum... ... ... ... É muito mais grave. Se você não sabe nem responder porque você não sabe responder, é sinal de autodesconhecimento profundo. Um autodesconhecimento profundo é coisa tão louca, né, porque se é profundo tende a ser conhecimento e não des-, é verdade. Você pode não saber responder algo e entender o seu processo de não-sabimento. E aí aquilo tá se processando em você, e você tem ideia de que aquilo ainda é verde, mas tem pista. Se você não sabe responder porque não sabe responder porquê, você parece não ter ideia nem de onde aquilo tá em você, o que pode ser muito bom. Mas num era pior? Era, já não é mais, é que eu tinha usado pior no sentido tradicional de que saber menos significa ser pior, e não é?, não, porque aquilo reflete uma condição sua e mostra uma ausência que vai ter que ser coisada, como é o nome, acho que desenvolvida. Mostra uma insuficiência e um pra-onde. Porque mesmo que você não saiba o porquê nem o porquê de não saber o porquê, e se sinta filhadaputamente perdido naquela hora, aquele momento vai abrir um processo em que aquilo vai aos poucos poder se revelar, foi a primeira pontada, a primeira visualização, uma espiada da porta que tá longe, mas agora tá. Antes nem. Eu não acho. Não acha a porta? Não, acho que não. Ah, sim. Tranquilo, é uma coisa que eu uso pra mim. Não, tu falando fica como se fosse uma formulação geral, uma coisa universal. Hum, é verdade. ... ... Diz como é pra ti, então. Não sei, não sei dizer. E acho que isso já é minha própria resposta. Meu irmão, isso foi muito profundo, tu num achou, ou sentiu? Hum, não sei, Minha nossa! ... ... Mudar dá trabalho, né, agora que tu colocou em cheque, eu fiquei repensando, e eu, eu achava que essa idéia nunca ia mudar em mim, ideia com acento ou sem acento, era como uma poltrona, com assento, então, onde eu tinha me acomodado, bem grande e gorda, com os pés pra cima, igual à que tinha na casa dos meus tios, no quarto deles onde tinha aquele cheiro de ar-condicionado com cigarro que eu gostava, ainda gosto dos embates do cigarro, com chuva, com ar-condicionado, com frio, o cigarro buscando equilibrar mesmo ele sendo tão des, o escroto. Preguiça de mudar é preguiça monstra, eu acho. Ter que se levantar dessa poltrona e desse cheiro de ar-condicionado com cigarro e desse desenho animado na tevê que é uma bosta mas o que vale é a poltrona, pra sair do quarto, da casa, da rua, do mundo e procurar outro mundo, construir ele inteiro, ser praticamente o chefe e o deus daquela gente toda nova que vai morar ali, é mais trabalho do que viagem. Tu não acha? Não sei. Por que agora tu só fala não sei? Não falo, foi só essa vez que eu fiz pra testar se tu ia dizer que era profundo de novo. PFFFFFFF. HAHAHA! Sacana. Eu sou. Às vezes. Às vezes. Faço. as vezes. De sacana. Eu gosto dessa relação com o “às vezes”, lembro quando pensei isso a primeira vez, tu tá dizendo isso só pra comprovar que tu já pensou isso um dia e que o que eu falei agora não foi propriamente uma invenção? Não, por quê? Pareceu. E acho que tu faz isso às vezes. Essas vezes. Talvez. Boa. Tu num acha toda conversa parecida com uma competição? Mais ou menos... Tu num acha tudo parecido com uma competição? Não, se eu achasse isso eu já tava doida. Hum. Tu acha, é? Mais ou menos. Mais ou menos o mundo todo uma competição? É. Minha nossa. E como tu sobrevive? Mudando. Mas no fundo é. Hum. Eu entendo isso astrologicamente em ti. Eu também. É. Eu também tenho minhas coisas, relaxe. Me mande relaxar, não, que é como se. Oi? Como se? Nada. ... ... Hum. 

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dominó é o jogo formado por peças retangulares, dotadas normalmente de uma espessura que lhes dá a forma de paralelepípedo, em que uma das faces está marcada por pontos indicando valores numéricos. O termo é também usado para designar individualmente as peças que compôem este jogo. O nome provavelmente deriva da expressão latina "domino gratias" ("graças ao Senhor"), dita pelos padres europeus para assinalar a vitória em uma partida. Na área matemática das poliformas, um dominó é a figura retangular formada por dois quadrados congruentes colocados lado a lado.
Moço
almoço;
almoço
ao 
moço.
moço 
almoço
ao moço;
moço 
ao 
moço.


moço
al 
moço
aomoço;
moçoaomoço.


moçoalmoçoaomoço;
moçoaomoçoalmoço.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Acendo um cigarro na boca do fogão,

e a gente conversa.

Após a refeição,

ela está refeita.
Às vezes, aquela energia que vem na nossa direção, que se lança sobre a gente; e esbarra e que quando esbarra se espalha; que se espalha e que quando se espalha se funde; às vezes - é bom quando - ela é calafrio que rí.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O que foi que tu viu quando olhou dentro de mim? Eu vi um lugar, um lugar com quatro pontas, quatro caminhos e um centro, eu vi. Vi uma encruzilhada. Olhou tu e aquele teu amigo, foi? Foi, olhou nós dois. Amos. Amos? Olhamos. Nós dois. Tu não tava, era a gente. Nós. Eu sei. foi entre aspas. Ah. Falei errado, né. Né. Né não, né é não é, isso é desconfirmar; eu gosto da palavra desmentir, dá uma idéia de desfazimento, de volta no tempo, parece com voltar uma fita. É verdade, eu nunca tinha pensado nisso... desculpa, eu não tava te escutando, tava ocupado tentando esvaziar minha cabeça, ocupado tentando desocupar, ela e eu. Ela quem? Cabeça. ah. Quer dizer que eu sou encruzilhada? Quero. An? Dizer, quero dizer, tu perguntou. É verdade. O que significa ser encruzilhada? Significa ter dificuldade em ver sentido nas coisas. É? Como tu sabe? Eu sei, já fui. Fosse? Fui, mas voltei. Achava que era do verbo ser. E era, foi uma ambiguidade. Calculada? Mais ou menos, eu não tinha calculado no começo, mas quando tu perguntou pra confirmar eu vi a chance e não desperdicei. Fizesse bem. Fiz, né. É. Aprendeu. A quê? A não desmentir o que eu digo, o outro diz, com né de volta, não se devolve, né, a menos que se queira desmentir, o outro ou eu. A mim. A ti não, a mim. A mim, não eu. Ah, tu me corrigiu de novo, foi? Foi. Que chato, né. Né. ... ... ... tenho mesmo.  O quê? Tido. Tem tido o quê? Outra coisa agora, não o que eu ia dizer, o que eu ia dizer eu não esqueço e vou lembrar depois, esse parênteses importa mais agora. Qual? Esqueci. ... ... Vontade de conversar metafisicamente descompromissado com alguém, como se fosse de mentira, conversar como se fosse. Faz falta mesmo, tu nunca mais teve, foi? Foi. Que chato... por quê? Acho que são as pessoas, calma, vou colocar meu óculos, acho que são as pessoas e sou eu, ando fechado. Até vinha conseguindo abrir, mas aí tudo já quis fechar de novo e eu não sei no que vai dar, vou fazer ficar aberto, mas o que eu ia falar mesmo, agora que eu já falei o esquecível, é que . Que foi? Esqueci, porque tu fala que foi rápido e bonitinho assim? Falo? Fala. Fala tu que foi agora pra eu ver como é que é. Que foi.  

domingo, 5 de junho de 2011

Não tenho mãe, nem pai, nem avô; nem avó. Filho, tio, primo, raiva, braço; baço, perna. Cabeça, tronco, casa, irmão, trabalho. Sem amigos, dentes, mulher, Deus, prato preferido, estômago ou colega. Não tenho geladeira, saudade, nem nome. Não tenho telefone, língua, nem sobrenome. Não tenho vizinho, não tenho fogão, não tenho mesa, livros, amuletos, calças, cinto. Nem sinto. Violão. Nem dedos nem ouvidos. Nem posição política. Nem posição. Terra. Água. Gosto por arte. Nem gosto. Nem boca. Nem cheiro. Nariz. Nem hora, nem tempo. Nem ponto, nem vírgula. Nem lugar, nem coração. Pleura. Nenhum pulmão. Ódio e pena também não. Pensava que tinha voz, ou cor. Se pensasse; nem vida. Morte. Nem nada; disso, nem isso; nem eu. Nem.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Um capuz.
Negro.
Couro
pesado.
Que, sutilmente,
desce e distribui
sobre
e
por si
fecha
aperta
e prende.
Só voando
para rasgar
dessufocar
nu.

Sob a Lua Nova,

Sol e Lua se encontram.
sempre.

sábado, 28 de maio de 2011

Passa pelos meus braços, por dentro, de modo fino e cortante. Aloja-se no peito, mais do que o possível, causa uma terrível sensação de excesso; o ar parece não ter mais lugar; cobre-me o rosto. Não cobre o rosto, traz um outro rosto, por cima do meu rosto, o que percebo sobretudo através do nariz, mas também através da boca. Tenho um nariz gigante e uma boca monstruosa, que tento arrancar, mas não existem. Inquieta-me as pernas também, deixa os dedos dos pés obsessivos, e depois os paralisa. Sinto esses pés como se não fossem meus, ou como se fossem cimento colado a mim; como se houvesse milhões de insetos dentro deles, como se não parassem de mexer, como se quisessem sair. A parte de trás da cabeça, com aquilo que veio dos braços e passou pelos ombros, adormece e dói, adormece e dói, adormece e dói. Adormece. Respiro devagar, fraco, por não haver mais lugar. Bóio, mexo um pouco mais os dedos; no vazio. Mexo os braços, tentando afastar. Aproximo. Um sabor ruim, na boca, restos, enquanto isso; aquela deslocalização metafísica que me traga, caio. Me calo, me cala. Queda num abismo mudo, sem fundo. Explodiria. Imóvel. Às vezes, tusso um pouco. Certo calafrio. Cheiro de fumaça, ou poeira, constante. Coçeira. S. O segundo nariz entope. Tenho vontade de decepar esse segundo rosto, mais do que arrancar, tudo me extrapola doentiomente. Faço careta. Nos dois rostos. Meu olho é de sapo. Me excedo o tempo todo. Procuro desfazer. Não consigo pensar. O pensamento bate várias vezes numa mesma parede. Não há nada que quebre, ou que ultrapasse. É inútil; sou; estou; sou; estou; estou: sou. O tempo passa, agrava, por si. Procuro esquecer para refazer. Sei que vai durar para sempre. Sei que vai acabar em breve, sem que eu perceba, sem que eu saiba, sem que eu tenha qualquer interferência. A menos que não dessa vez. Começo tudo de novo, como se nada tivesse acontecido, nunca; como se tudo tivesse mudado, agora. 

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Cortázar, Manuscrito achado num bolso.

Agora que escrevo, para outros isto podia ter sido a roleta ou o hipódromo, mas não era dinheiro que eu procurava, em dado momento tinha começado a sentir, a decidir que uma vidraça de janela no metrô podia me trazer a resposta, o encontro com uma felicidade, precisamente aqui, onde tudo acontece sob o signo da mais implacável ruptura, dentro de um tempo subterrâneo que um trajeto entre estações desenha e limita assim inapelavelmente embaixo. Digo ruptura para compreender melhor (teria de compreender tantas coisas desde que comecei a jogar o jogo) aquela esperança de uma convergência que talvez me fosse dada no reflexo em uma vidraça de janela. Ultrapassar a ruptura que as pessoas não parecem observar embora sabe-se lá o que pensam essas pessoas agoniadas que sobem e descem dos vagões do metrô, o que procura além do transporte essa gente que sobe antes ou depois para descer depois ou antes, que só coincide numa zona do vagão onde tudo está decidido por antecipação sem que ninguém possa saber se sairemos juntos, se eu descerei em primeiro lugar ou esse homem magro com um rolo de papéis, se a velha de verde continuará até o fim, se esses meninos descerão agora, é claro que descerão, porque recolhem seus cadernos e suas réguas, aproximam-se rindo e brincando da porta enquanto lá no canto uma jovem se instala para demorar, para permanecer ainda por muitas estações no assento enfim livre, e aquela outra jovem é imprevisível, Ana era imprevisível, mantinha-se muito tesa contra o encosto no assento da janela, já estava lá quando subi na estação Etienne Marcel e um negro abandonou o assento em frente e a ninguém pareceu interessar e eu pude escorregar com uma vaga desculpa por entre os joelhos dos dois passageiros sentados nos assentos externos e fiquei defronte de Ana e quase em seguida, porque tinha descido ao metrô para jogar mais uma vez o jogo, procurei o perfil de Margrit no reflexo da vidraça da janela e pensei que era bonita, que eu gostava de seu cabelo preto com uma espécie de asa breve que penteava em diagonal à testa.

Não é verdade que o nome de Margrit ou o de Ana viessem depois ou que sejam agora uma maneira de diferenciá-las por escrito, coisas assim eram decididas instantaneamente pelo jogo, quero dizer que de maneira alguma o reflexo na vidraça da janela podia chamar-se Ana, assim como também não podia chamar-se Margrit a jovem sentada frente a mim sem me olhar, com os olhos perdidos no fastio daquele interregno em que todo mundo parece consultar uma área de visão que não é a circundante, salvo as crianças que olham fixo e em cheio para as coisas até o dia em que lhes ensinam a situar-se também nos interstícios, a olhar sem ver com aquela ignorância cortês de toda presença vizinha, de todo contato sensível, cada qual instalado em sua bolha, alinhado entre parênteses, cuidando em manter o mínimo de espaço entre joelhos e cotovelos alheios, refugiando-se no France-Soir ou em livros de bolso, embora quase sempre como Ana, uns olhos se situando no oco entre o verdadeiramente observável, naquela distância neutra e estúpida que ia de minha cara à do homem concentrado no Figaro. Mas então Margrit, se eu podia prever alguma coisa era que em dado momento Ana se voltaria distraída para a janela e então Margrit veria meu reflexo, o cruzamento de olhares nas imagens daquela vidraça onde a escuridão do túnel põe seu mercúrio atenuado, sua felpa roxa e móvel que dá às caras uma vida em outros planos, tira-lhes aquela horrível máscara de giz das luzes municipais do vagão e sobretudo, oh, sim, você não poderia negar, Margrit, as obriga a olhar de verdade aquela outra cara do vidro porque durante o tempo instantâneo do olhar duplo não há censura, meu reflexo na vidraça não era o homem sentado defronte de Ana e que Ana não devia olhar em cheio num vagão de metrô, e ademais quem estava olhando meu reflexo já não era Ana e sim Margrit no momento em que Ana desviara rapidamente o olhar do homem sentado defronte dela porque não ficava bem que olhasse para ele, e ao voltar-se para o vidro da janela tinha visto meu reflexo que esperava aquele instante para sorrir ligeiramente sem insolência nem esperança quando o olhar de Margrit caísse como um pássaro em seu olhar. Deve ter durado um segundo, talvez um pouco mais porque senti que Margrit havia percebido aquele sorriso que Ana reprovava embora não fosse mais que por causa do gesto de baixar o rosto, de examinar vagamente o fecho de sua bolsa de couro vermelho; e era quase justo continuar sorrindo se bem que Margrit já não me olhasse porque de alguma maneira o gesto de Ana acusava meu sorriso, seguia-a sabendo e já não era necessário que ela ou Margrit olhassem para mim aplicadamente concentradas na miúda tarefa de experimentar o fecho da bolsa vermelha. 

Assim foi com Paula (com Ofélia) e com tantas outras que se tinham concentrado na tarefa de verificar um fecho, um botão, a dobra de uma revista, mais uma vez foi o poço onde a esperança se enredava com o temor numa intensa cãibra de aranhas até a morte, onde o tempo começava a latejar como um segundo coração no pulso do jogo; desde esse momento cada estação do metrô era uma trama diferente do futuro porque o jogo decidira daquela maneira; o olhar de Margrit e meu sorriso, o recuo instantâneo de Ana à contemplação do fecho da bolsa eram a abertura de uma cerimônia que um belo dia começara a celebrar contra tudo quanto fosse razoável, preferindo os piores desencontros às correntes estúpidas de uma casualidade cotidiana. Explicá-lo não é difícil mas jogá-lo tinha muito de combate às cegas, trêmula suspensão coloidal na qual todo itinerário erguia uma árvore de imprevisível percurso. Um plano do metrô de Paris define em seu esqueleto mondrianesco, em seus galhos vermelhos, amarelos, azuis e pretos uma vasta porém limitada superfície de subtendidos pseudópodes; e aquela árvore está viva vinte horas em cada vinte e quatro, uma seiva atormentada a percorre com finalidades precisas, a que desce em Châtelet ou sobe em Vaugirard, a que em Odéon muda para continuar até La Motte-Picquet, as duzentas, trezentas, sabe-se lá quantas possibilidades de combinação para que cada célula codificada e programada ingresse num setor da árvore e aflore em outro, saia das Galeries Lafayette para depositar um embrulho de toalhas ou um abajur num terceiro andar da rue Gay-Lussac. 

Minha regra do jogo era maniacamente simples, era bela, estúpida e tirânica, se eu gostava de uma mulher, se eu gostava de uma mulher sentada à minha frente, se eu gostava de uma mulher sentada em frente a mim junto da janela, se seu reflexo na janela cruzava o olhar com meu reflexo na janela, se meu sorriso no reflexo da janela perturbava ou agradava ou rejeitava o reflexo da mulher na janela, se Margrit me via sorrir e então Ana baixava a cabeça e começava a examinar atentamente o fecho de sua bolsa vermelha, então havia jogo, dava exatamente na mesma que o sorriso fosse aceito ou respondido ou ignorado, o primeiro tempo da cerimônia não ia além disso, um sorriso registrado por quem o havia merecido. Então começava o combate no poço, as aranhas no estômago, a espera com seu pêndulo de estação em estação. Lembro-me de como acordei naquele dia: agora eram Margrit e Ana, mas uma semana atrás tinham sido Paula e Ofélia, a moça loura descera numa das piores estações, Montparnasse-Bienvenue, que abre sua hidra mal-cheirosa às máximas possibilidades de fracasso. Minha conexão era com a linha da Porte de Vanves e quase em seguida, no primeiro corredor, compreendi que Paula (que Ofélia) tomaria o corredor que levava à conexão com a Mairie d'Issy. Impossível fazer alguma coisa, só olhar para ela pela última vez no cruzamento dos corredores, vê-la afastar-se, descer uma escada. A regra do jogo era aquela, um sorriso na vidraça da janela e o direito de seguir uma mulher e esperar desesperadamente que sua conexão coincidisse com a decidida por mim antes de cada viagem; e então — sempre, até agora — vê-la tomar outro corredor e não poder segui-la, obrigado a voltar ao mundo de cima e entrar num café e continuar vivendo até que pouco a pouco, horas ou dias ou semanas, a sede de novo reclamando a possibilidade de que tudo coincidisse eventualmente, mulher e vidraça da janela, sorriso aceito ou rejeitado, conexões de trens e então finalmente sim, então o direito de aproximar-se e dizer a primeira palavra, espessa de tempo estancado, de interminável pilhagem no fundo do poço entre as aranhas da cãibra. 

Agora entrávamos na estação de Saint-Sulpice, alguém do meu lado se levantava e ia embora, também Ana ficava sozinha diante de mim, deixara de olhar a bolsa e uma ou duas vezes seus olhos me varreram distraidamente antes de se perderem no anúncio de termas que se repetia nos quatro cantos do vagão. Margrit não tinha voltado a olhar para mim na janela mas aquilo provava o contato, seu latejar sigiloso; Ana era talvez tímida ou simplesmente lhe parecia absurdo aceitar o reflexo daquela cara que voltaria a sorrir para Margrit; e além disso chegar a Saint-Sulpice era importante porque, se ainda faltavam oito estações até o final do percurso na Porte D'Orléans, só três tinham conexões com outras linhas, e só se Ana descesse numa daquelas três me restaria a possibilidade de coincidir; quando o trem começava a frear em Saint-Placide olhei e olhei para Margrit procurando-lhe os olhos que Ana continuava encostando suavemente nas coisas do vagão como que admitindo que Margrit não olharia mais para mim, que era inútil esperar que voltasse a olhar o reflexo que a esperava para sorrir-lhe. 

Não desceu em Saint-Placide, soube-o antes que o trem começasse a frear, existe esse preparativo do viajante, sobretudo das mulheres que nervosamente verificam embrulhos, atam o casaco ou olham de lado ao levantar-se, evitando joelhos naquele instante em que a perda de velocidade trava e estonteia os corpos. Ana repassava vagamente os anúncios da estação, a cara de Margrit foi se apagando sob as luzes da plataforma e não pude saber se tinha voltado a olhar para mim; também meu reflexo não teria sido visível naquela maré de néon e anúncios fotográficos, de corpos entrando e saindo. Se Ana descesse em Mont-parnasse-Bienvenue minhas possibilidades eram mínimas, como não me lembrar de Paula (de Ofélia) lá onde uma possível conexão quádrupla estreitava qualquer previsão; e entretanto no dia de Paula (de Ofélia) tivera certeza absoluta de que coincidiríamos, até o último momento caminhava a três metros daquela mulher lenta e loura, que parecia vestida de folhas secas, e sua bifurcação à direita me envolvera a cara como uma chicotada. Por isso agora Margrit não, por isso o medo, de novo podia ocorrer abominavelmente em Montparnasse-Bienvenue; a lembrança de Paula (de Ofélia), as aranhas no poço contra a miúda confiança em que Ana (em que Margrit). Mas ninguém pode contra aquela ingenuidade que nos vai deixando viver, quase imediatamente disse comigo mesmo que talvez Ana (que talvez Margrit) não descesse em Montparnasse-Bienvenue, mas em uma das outras estações possíveis, que talvez não descesse nas intermediárias, onde não me era dado segui-la; que Ana (que Margrit) não desceria em Montparnasse-Bienvenue (não desceu), que não desceria em Vavin, e não desceu, que talvez descesse em Raspail, que era a primeira das duas últimas possíveis; e quando não desceu e eu soube que só restava uma estação na qual podia segui-la contra as três finais em que tudo já dava na mesma, procurei de novo os olhos de Margrit na vidraça da janela, chamei-a de um silêncio e de uma imobilidade que deveriam chegar até ela como uma exigência, como um marulho, sorri-lhe com o sorriso que Ana já não podia ignorar, que Margrit tinha de admitir embora não olhasse para meu reflexo açoitado pelas meias-luzes do túnel desembocando em Denfert-Rochereau. Talvez o primeiro golpe dos freios tenha feito tremer a bolsa vermelha nas coxas de Ana, talvez só o tédio lhe mexesse a mão até a mecha preta que atravessava sua testa; naqueles três, quatro segundos em que o trem se imobilizava na plataforma, as aranhas cravaram suas unhas na pele do poço para mais uma vez me vencer partindo de dentro; quando Ana se ergueu com uma só e límpida flexão de seu corpo, quando a vi de costas entre os passageiros, acho que procurei ainda absurdamente o rosto de Margrit na vidraça ofuscado de luzes e movimento. Saí como que sem o saber, sombra passiva daquele corpo que descia na plataforma, até despertar para o que viria, para a dupla escolha final cumprindo-se irrevogável. 

Penso que está claro, Ana (Margrit) tomaria um caminho cotidiano ou circunstancial, enquanto antes de subir naquele trem eu decidira que se alguém entrasse no jogo e descesse em Denfert-Rochereau, minha conexão seria a linha Nation-Étoile, da mesma maneira que se Ana (que se Margrit) tivesse descido em Châtelet só poderia segui-la no caso de tomar a conexão Vincennes-Neuilly. No último momento da cerimônia o jogo estava perdido se Ana (se Margrit) tomasse a conexão da Ligne de Sceaux ou saísse diretamente à rua; imediatamente, mesmo porque naquela estação não havia os intermináveis corredores de outras vezes e as escadas conduziam rapidamente ao destino, àquilo que nos meios de transporte também se chamava destino. Eu a via mexer-se entre as pessoas, sua bolsa vermelha como um pêndulo de brinquedo, erguendo a cabeça à procura dos letreiros indicadores, vacilando um instante até orientar-se para a esquerda; mas a esquerda era a saída que levava à rua. 

Não sei como dizer, as aranhas mordiam demais, não fui desonesto no primeiro minuto, simplesmente a segui para depois talvez admitir, deixá-la partir para qualquer de seus rumos lá em cima; no meio da escada compreendi que não, que talvez a única maneira de matá-las fosse negar ao menos uma vez a lei, o código. A cãibra que me crispara naquele segundo em que Ana (em que Margrit) começava a subir a escada proibida cedia lugar de repente a uma fadiga sonolenta, a um golem de lentos degraus; recusei-me a pensar, bastava saber que continuava a vê-la, que a bolsa vermelha subia em direção à rua, que a cada passo o cabelo preto lhe tremia nos ombros. Já era de noite e o ar estava gelado, com alguns flocos de neve entre rajadas e chuvisco; sei que Ana (que Margrit) não teve medo quando me coloquei a seu lado e lhe disse: "Não é possível que nos separemos assim, antes de nos termos encontrado." 

No café, mais tarde, agora somente Ana enquanto o reflexo de Margrit cedia a uma realidade de cinzano e palavras, disse-me que não compreendia nada, que se chamava Marie-Claude, que meu sorriso no reflexo lhe fizera muito mal, que em dado momento pensara em se levantar e mudar de lugar, que não tinha me visto segui-la e que na rua não sentira medo, contraditoriamente, olhando nos meus olhos, bebendo seu cinzano, sorrindo sem se envergonhar de sorrir, de ter aceitado quase em seguida minha abordagem em plena rua. Naquele momento de uma felicidade como que esparramada, de abandono a um deslizar cheio de álamos, não podia dizer-lhe o que ela teria imaginado como loucura ou mania e que era assim mas de outra maneira, de outras margens da vida; falei-lhe de sua mecha de cabelo, de sua bolsa vermelha, de seu modo de olhar para o anúncio das termas, de que não lhe tinha sorrido por donjuanismo nem tédio mas para dar-lhe uma flor que não possuía, o sinal de que gostava dela, de que me fazia bem, de que viajar defronte dela, de que outro cigarro e outro cinzano. Em nenhum momento fomos enfáticos, falamos como de algo já conhecido e aceito, olhando-nos sem nos machucar, acho que Maria-Claude me deixava vir e estar em seu presente como talvez Margrit teria respondido a meu sorriso na vidraça se não houvesse de permeio tantas idéias preconcebidas, tanto não deve responder se falarem com você na rua ou lhe oferecerem balas e quiserem levá-la ao cinema, até que Maria-Claude, já libertada de meu sorriso a Margrit, Marie-Claude na rua e o café pensara que era um bom sorriso, que o desconhecido lá de baixo não tinha sorrido para Margrit para tatear outro terreno, e minha maneira absurda de abordá-la tinha sido a única compreensível, a única razão para dizer que sim, que podíamos beber um drinque e conversar num café. 

Não me lembro o que pude contar-lhe de mim, talvez tudo a não ser o jogo mas então só isso, em dado momento rimos, alguém fez a primeira piada, descobrimos que gostávamos dos mesmos cigarros e de Catherine Deneuve, deixou-me acompanhá-la até a entrada de sua casa, estendeu-me a mão com firmeza e consentiu no mesmo café à mesma hora de terça-feira. Peguei um táxi para voltar a meu bairro, pela primeira vez em mim mesmo como num incrível país estrangeiro, repetindo-me que sim, que Marie-Claude, que Denfert-Rochereau, apertando as pálpebras para guardar melhor seu cabelo preto; aquela maneira de mexer a cabeça de lado antes de falar, de sorrir. Fomos pontuais e nos contamos filmes, trabalho, verificamos diferenças ideológicas parciais, ela continuava me aceitando como se maravilhosamente lhe bastasse aquele presente sem razões, sem interrogação; nem parecia perceber que qualquer imbecil a teria tomado por fácil ou tola; acatando inclusive que eu não tratasse de compartilhar o mesmo banco no café, que no percurso da rue Froidevaux não lhe passasse o braço pelo ombro no primeiro sinal de uma intimidade, que a sabendo quase só — uma irmã mais moça, muitas vezes ausente do apartamento do quarto andar — não lhe pedisse para subir. Se de alguma coisa não podia desconfiar era das aranhas, tínhamo-nos encontrado três ou quatro vezes sem que mordessem, imóveis no poço e esperando até o dia em que eu soube como se não tivesse sabido o tempo todo, mas às terças-feiras, chegar ao café, imaginar que Marie-Claude já estaria lá ou vê-la entrar com seus passos ágeis, sua morena recorrência que lutara inocentemente contra as aranhas outra vez acordadas, contra a transgressão do jogo que só ela tinha podido defender apenas me dando uma breve, morna mão, somente aquela mecha de cabelo que passeava por sua testa. Em dado momento deve ter percebido, ficou calada olhando para mim, esperando; já era impossível que não me delatasse o esforço para fazer durar a trégua, para não admitir que voltavam pouco a pouco apesar de Marie-Claude, contra Marie-Claude que não podia compreender, que ficava calada olhando para mim, esperando; beber e fumar e falar-lhe, defendendo até o fim o doce interregno sem aranhas, saber de sua vida simples e com horário e irmã estudante e alergias, desejar tanto aquela mecha preta que lhe penteava a testa, desejá-la como um término, como realmente a última estação do último metrô da vida, e então o poço, a distância de minha cadeira àquele banquinho em que nos teríamos beijado, em que minha boca teria bebido o primeiro perfume de Maria-Claude antes de levá-la abraçada até sua casa, subir aquela escada, despir-nos finalmente de tanta roupa e tanta espera. 

Então eu lhe disse, lembro-me do muro do cemitério e de que Marie-Claude encostou-se nele e me deixou falar com o rosto perdido no musgo quente de seu casaco, quem sabe se minha voz lhe chegou com todas as suas palavras, se foi possível que compreendesse: disse-lhe tudo, cada detalhe do jogo, as improbabilidades confirmadas desde tantas Paulas (desde tantas Ofelias) perdidas no fim de um corredor, as aranhas em cada final. Chorava, sentia-a tremer contra mim embora continuasse me agasalhando, sustentando-me com todo seu corpo encostado no muro dos mortos; não me perguntou nada, não quis saber por que nem desde quando, não lhe ocorreu lutar contra uma máquina montada por toda uma vida a contrapelo de si mesma, da cidade e suas palavras de ordem, somente aquele choro ali como um animalzinho machucado, resistindo sem força ao triunfo do jogo, à dança exasperada das aranhas no poço. 

Na porta de sua casa disse-lhe que nem tudo estava perdido, que dos dois dependia tentar um encontro legítimo; agora ela conhecia as regras do jogo, talvez nos fossem favoráveis dado que não faríamos outra coisa senão nos procurar. Disse-me que podia pedir quinze dias de férias, viajar levando um livro para que o tempo fosse menos úmido e hostil no mundo subterrâneo, passar de uma conexão a outra, esperar-me lendo, olhando os anúncios. Não quisemos pensar na improbabilidade, em que talvez nos encontraríamos num trem mas que não bastava, que desta vez não se poderia faltar ao preestabelecido; pedi-lhe que não pensasse, que deixasse correr o metrô, que não chorasse nunca naquelas duas semanas enquanto eu a procurava; sem palavras ficou entendido que se o prazo se esgotasse sem nos tornarmos a ver ou só nos vendo até que dois corredores diferentes nos separassem, já não faria sentido voltar ao café, à porta de sua casa. Ao pé daquela escada de bairro que uma luz alaranjada estendia docemente para cima, para a imagem de Marie-Claude em seu apartamento, entre seus móveis, nua e dormindo, beijei-a no cabelo, acariciei-lhe as mãos; ela não procurou minha boca, foi se afastando e a vi de costas, subindo outras das tantas escadas que as levavam sem que pudesse segui-las; voltei a pé para casa, sem aranhas, vazio e lavado para a nova espera; agora não podiam me fazer nada, o jogo ia recomeçar como tantas outras vezes mas só com Marie-Claude, segunda-feira descendo a estação Cou-ronnes de manhã, saindo em Max Dormoy em plena noite, terça-feira entrando em Crimée, quarta-feira em Philippe Auguste, a precisa regra do jogo, quinze estações nas quais quatro tinham conexões, e então na primeira das quatro sabendo que teria de continuar até a linha Sèvres-Montreuil como na segunda teria de tomar a conexão Clichy-Porte Dauphine, cada itinerário escolhido sem uma razão especial porque não podia existir nenhuma razão, Marie-Claude teria subido talvez perto de sua casa, em Denfert-Rochereau ou em Corvisart, estaria trocando em Pasteur para continuar até Falguière, a árvore mondrianesca com todos os seus galhos secos, acaso das tentações vermelhas, azuis, brancas, pontilhadas; quinta, sexta, sábado. De qualquer plataforma ver entrar os trens, os sete ou oito vagões, permitindo-me olhar enquanto passavam cada vez mais lentos, chegar até o fim e subir num vagão sem Marie-Claude, descer na estação seguinte e esperar outro trem, seguir até a primeira estação para procurar outra linha, ver chegar os vagões sem Marie-Claude, deixar passar um trem ou dois, subir no terceiro, continuar até o terminal, retornar a uma estação de onde podia passar para outra linha, decidir que só tomaria o quarto trem, abandonar a procura e subir para comer, retornar quase em seguida com um cigarro amargo e sentar-me num banco até o segundo, até o quinto trem. Segunda, terça, quarta, quinta, sem aranhas porque ainda esperava, porque ainda espero neste banco da estação Chemin Vert, com este caderninho em que uma mão escreve para inventar um tempo que não seja só aquela interminável rajada que me projeta em direção ao sábado no qual talvez tudo terá acabado, em que voltarei sozinho e as sentirei acordar e morder, suas pinças enraivecidas exigindo-me o novo jogo, outras Marie-Claudes, outras Paulas, a reiteração depois de cada fracasso, o recomeçar canceroso. Mas é quinta-feira, é a estação Chemin Vert, lá fora cai a noite, ainda se pode imaginar qualquer coisa, inclusive pode não parecer incrível demais que no segundo trem, que no quarto vagão, que Marie-Claude num assento contra a janela, tenha me visto e se levante com um grito que ninguém salvo eu pode escutar assim em plena cara, em plena corrida para saltar do vagão lotado, empurrando passageiros indignados, murmurando desculpas que ninguém espera nem aceita, ficando de pé contra o assento duplo ocupado por pernas e guarda-chuvas e embrulhos, por Marie-Claude com seu agasalho cinza contra a janela, a mecha preta que o arranco repentino do trem apenas agita como suas mãos tremem em cima das coxas num chamado que não tem nome, que é só isso que agora vai acontecer. Não há necessidade de falar, não se poderia dizer nada por cima desse muro impassível e desconfiado de caras e guarda-chuvas entre mim e Marie-Claude; restam três estações que fazem conexão com outras linhas, Marie-Claude deverá escolher uma delas, percorrer a plataforma, seguir por um dos corredores ou procurar a escada de saída, alheia à minha escolha que desta vez não transgredirei. O trem entra na estação Bastille e Marie-Claude continua ali, as pessoas descem e sobem, alguém deixa desocupado o assento a seu lado mas não me aproximo, não posso me sentar ali, não posso tremer junto dela como ela estará tremendo. Agora vêm Ledru-Rollin e Froidherbe-Chaligny, naquelas estações sem conexão Marie-CIaude sabe que não posso segui-la e não se mexe, o jogo tem de ser jogado em Reuilly-Diderot ou em Daumesnil; enquanto o trem entra em Reuilly-Diderot afasto os olhos, não quero que saiba, não quero que possa compreender que não é ali. Quando o trem arranca vejo que não se mexeu, que nos resta uma última esperança, em Daumesnil há apenas uma conexão e a saída para a rua, vermelho ou preto, sim ou não. Então olhamos um para o outro, Marie-CIaude ergueu o rosto para encarar-me em cheio, agarrado à barra do assento sou aquilo que ela olha, alguma coisa tão pálida como o que estou olhando, o rosto sem sangue de Marie-CIaude que aperta a bolsa vermelha, que vai fazer o primeiro gesto para levantar-se enquanto o trem entra na estação Daumesnil.