sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Procedimento

O procedimento aqui descrito, de modo geral, não é realizado com frequência nos dias de hoje. Isso equivale a dizer que são poucos aqueles que o realizam, apesar de certo crescimento recente do número de indivíduos que têm buscado tal técnica, por um motivo ou por outro. Mesmo diante dos riscos (é verdade, há certos riscos) que o procedimento oferece, cientistas, pesquisadores e especialistas e autoridades renomadas no assunto sustentam que não é esta a questão. Em verdade, efeitos fisiológicos causados pelo consumo excessivo de enlatados e pela exposição excessiva a determinados elementos contidos na luz emitida pelos aparelhos de TV (ou seja, o consumo excessivo de enlatados) seriam os principais fatores capazes de explicar os limites de sua disseminação. Sem mais, passemos à descrição do procedimento, em todas suas etapas.

Existe um pedaço de metal (chamado “trinco”) junto ao pedaço de madeira (chamado “porta”) situado próximo àquela parede envelhecida (chamada “parede envelhecida”). O primeiro passo consiste em girá-lo com uma das mãos (se necessário, com as duas, no entanto, não é necessário aqui empregar grande esforço, sendo importante que se reserve energia suficiente para os passos seguintes – em geral, utilizam-se as duas mãos quando uma delas encontra-se demasiadamente oleosa, o que esperamos que não seja o caso), puxá-lo e ultrapassar o virtual retângulo (usualmente, trata-se de um retângulo, mas não deixe de ultrapassá-lo caso se trate de outro polígono ou de polígono algum), no qual, antes, estava situado o pedaço de madeira (chamado “porta”, o mesmo mencionado na primeira linha do presente parágrafo).

Ultrapassada a Etapa 01, descrita acima, passemos ao desenvolvimento da segunda etapa. A segunda etapa consiste, de início, em uma caminhada despretensiosa, com o objetivo apenas de aquecer  o corpo. As caminhadas, como se sabe, são bastante benéficas para o organismo humano, sobretudo as despretensiosas, por serem desprovidas de pretensão. Após a caminhada despretensiosa com o objetivo apenas de aquecer o corpo, o que não chega a constituir propriamente uma pretensão, localize, em seu entorno, algumas injustiças, de simples visualização (pode ser uma daquelas injustiças já bastante banalizadas, encontradas perto de casa, como um mendigo comendo lixo, um morador de rua dormindo sob a fachada de uma loja de colchões, ou uma criança limpando pára-brisas. Aliás, é verdade que o procedimento também pode ser realizado em outras modalidades, como, por exemplo, a modalidade “sem sair de casa”, bastante confortável, em que o próprio indivíduo que realiza o procedimento ou a mulher que assume todas as tarefas domésticas sozinha costumam configurar exemplos amplamente acessíveis de injustiça para a realização deste segundo passo. Mas a modalidade “sem sair de casa” pode ser abordada em sua especificidade n’outra oportunidade, sigamos).

Chegamos, enfim, à terceira etapa. Exige-se, aqui, grande concentração, uma vez que se faz necessário que o participante adote uma postura que, muitas vezes, difere daquela adotada ordinariamente – seja no trabalho, na escola, no cabaré ou na loja de calçados. O procedimento aqui, finalmente, refina-se, revela seu verdadeiro teor. Por isso, é natural que nem sempre esta fase seja superada em uma primeira investida. Em verdade, os dados coletados apontam que, em 0,12% dos casos, os indivíduos envolvidos não conseguem superar o primeiro passo (provavelmente por suas mãos estarem absurdamente oleosas); já em 6,3% das situações, o segundo passo não é vencido (pelo fato de alguns participantes não estarem devidamente familiarizados com o termo injustiça); e, em 17,8% das experiências relatadas, o obstáculo reside nesta etapa, a terceira. Portanto, atenção. Concentre-se na explicação que lhe será oferecida, observe o significado de cada termo, pois nenhum deles está aqui por acaso – cada palavra provém de um aprofundado estudo, de uma larga experiência acumulada, de tentativas-e-erros, da doação de milhares de homens e mulheres que dedicaram sua vida a este assunto. Recomendamos, então, que se sigam as orientações rigorosamente, isto será decisivo.

A terceira etapa é assim: consiste em perguntar porquê.





(texto meio velho, meio besta, meio inspirado demais em cortázar, sem que isso tenha a ver com ser meio besta, mas tendo a ver com ser meio velho, sem que isso signifique um abandono da leitura de cortázar, pelo contrário, mas se tratando simplesmente de uma ligação cronológica entre esses eventos. eventos?)

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