sábado, 17 de dezembro de 2011

Letargia (do latim lethargia: lethe — esquecimento e argia — inacção) é a perda temporária e completa

da sensibilidade e do movimento por causa fisiológica, ainda não identificada, levando o indivíduo a um estado mórbido em que as funções vitais estão atenuadas de tal forma que parecem estar suspensas, dando ao corpo a aparência de morte.

O paciente jaz imóvel, os membros pendentes sem rigidez alguma, a respiração e o pulso ficam praticamente imperceptíveis, as pupilas dilatadas e sem reação à luz. Há casos em que o paciente, apesar da inércia absoluta, tudo percebe e compreende, mas se encontra totalmente impossibilitado de reagir de qualquer forma. Por motivo da atividade psíquica conservada durante esse estado letárgico, dá-se o nome de letargia lúcida.

Antigamente, devido a falta de recursos da medicina, havia casos de pessoas dadas como mortas e que, posteriormente, no caso de exumações, verificou-se que o cadáver se encontrava em posição diferente da qual fora colocado no caixão ou de tampas arranhadas, sugerindo que tais pessoas foram enterradas vivas durante um estado letárgico. Atualmente a medicina reconhece como mortas somente as pessoas que não apresentem nenhuma atividade cerebral, o que impossibilitaria tal fato.

Essa era a versão inicial de um texto sobre letargia, que fui incumbido de revisar. A versão corrigida segue abaixo.

Letargia (do latim lethargia: lethe — esquecimento e argia — inacção, o que significa que a letargia equivale a uma autoanulação que tem como fundamento o desejo do indivíduo de esquecer a vida desgraçada que leva) é a perda temporária e completa da sensibilidade e do movimento por causa fisiológica, ainda não identificada, mas certamente, como apontam os especialistas, disparada por fatores objetivos e subjetivos tais como o ceticismo, a hipertrofia de relações virtuais, a ruptura de relacionamentos amorosos e o consumo excessivo de queijo do tipo popularmente conhecido como "polenguinho", levando o indivíduo a um estado mórbido em que as funções vitais estão atenuadas de tal forma que parecem estar suspensas, dando ao corpo a aparência de morte. Nos casos em que a aparência de morte preexiste, ela costuma apresentar-se intensificada.


O paciente jaz imóvel, não adianta bater na porta do quarto, os membros pendentes sem rigidez alguma, como um mamulengo, a respiração e o pulso ficam praticamente imperceptíveis, como uma criança que finge estar dormindo, as pupilas dilatadas e sem reação à luz (não adianta ficar apagando e acendendo, só vai queimar a porra da lâmpada). Há casos em que o paciente, apesar da inércia absoluta, tudo percebe e compreende, mas não reage de qualquer forma.  Na verdade, ele tem a mais radical convicção de que, mesmo entendendo o que se passa, qualquer reação de nada adianta. Por motivo da atividade psíquica conservada durante esse estado letárgico, dá-se o nome de letargia lúcida. Como se vê, é uma letargia meio capenga. Mas igualmente letárgica.

Antigamente, devido à falta de recursos da medicina, havia casos de pessoas dadas como mortas e que, posteriormente, no caso de exumações, realizadas em geral com fito necrófilo, verificou-se que o cadáver se encontrava em posição diferente da qual fora colocado no caixão (em poses alegóricas, por vezes eróticas) ou de tampas arranhadas, sugerindo que tais pessoas foram enterradas vivas durante um estado letárgico e com as unhas grandes. Ao menos é o que se pode concluir se tomarmos como referência os apontamentos predominantes entre os estudos realizados sobre a possibilidade de movimentação dos mortos (descartando, assim, a emergente teoria da necromobilidade) e os estudos sobre o número de gatos que conseguem penetrar nos caixões (é unanimidade entre os pesquisadores de que isso ocorre em apenas 17% dos casos). A movimentação do letárgico demonstra que o estado de letargia pode ser revertido em menos tempo do que se costuma presumir - principalmente do que costumam presumir os letárgicos. Não é raro que, apenas em alguns dias, seja encontrado um sentido para a vida ou que se supere a situação amorosa problemática, por exemplo. O enterro pode ser um fator estimulante nesse sentido. Já houve casos também em que o caixão foi encontrado vazio, e as pesquisas mais avançadas hoje cuidam de descobrir se os letárgicos, nessas situações, teriam voltado a si e escapado da cova ou simplesmente se desintegrado (ou as duas coisas). Atualmente a medicina reconhece como mortas somente as pessoas que não apresentam nenhuma atividade cerebral, o que consiste em um procedimento parcial, pois não se enquadram neste conceito aqueles que, mesmo apresentando bom funcionamento cerebral, não vivem.


domingo, 11 de dezembro de 2011

Eu perseguia perseguia ela que se encostou se encostou na parede mas quando eu golpeei ela se esquivou merda horizontalmente ao longo da parede porque nossa era hábil e porque sabe eu não queria fazer aquilo que faço a menos que fazer aquilo que faço como uma missão com ela que fazia fazia o papel o papel de fugir de tremer de temer de poderíamos ser atores o seu papel de lá no fundo devia rezar com as lembranças por segundo ou menos e cada investida contracenando um novo que devia ser bloco sem intervalo e furo assim tudo num grande bloco de instinto cuidado amoroso pânico e lembrança sem gritar a proximidade tanta da morte capaz de revelar num flash confuso e branco o que há de mais seu porque é claro que todo extremo é um vulcão e que é preciso matar e saber pra dormir que apaguei a erupção que lembrava tremia e se esquivava de venha não tenha medo fogo para os braços da pronto porra esse caralho na hora que o cachorro latiu embora a perna dela demore a caiu estava no meio do movimento quando o corpo sob o limite e então hum e então gota sangue dela gelada transparente era o sangue dela sim não era água não na minha perna não ali puta que o pariu o sangue da barata na minha perna e então a busca e então daquilo daquele significado daquilo porra daquele significado daquilo que é pra eu não matar ou pra ela me matar ou pra eu matar e ser castigado e o fim é então o castigo ou a perna dela que demora a cair o sangue e a gota dele dela na minha são as pernas é pra isso matar e cair uma gota de sangue na minha perna e eu em busca daquele significado daquilo que pois como se não bastasse essas formigas por toda parte já faz tempo que tramam um plano pra conquistar a casa o quartel o palácio e talvez aliadas das baratas e dos livros espalhados pelo quarto que nos cercam e ninguém sabe o que fazem enquanto se dorme mas sobem em mim as formigas as baratas os livros e a massa que eles formam como se fossem me atacar nessa disposição estratégica e como se atacassem pois estão me atacando mesmo que e eu finalmente sei contra a parede e me esquivo ser barata perna limite extraio o que posso e destruo meu corpo e descubro a razão que é essa a razão pela qual eu sou estou eu aqui nessa hora entre os latidos do cão em sua própria boca que é a razão pela qual tudo é o que é e está como a barata se esquivou tremeu lembrou além de amar como eu e a erupção enquanto a gota escorre pelo corpo gelado e transparente somando-se ao meu vermelho.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Trecho de Poema Sujo, Ferreira G..

Mas sobretudo meu
corpo
nordestino
Mais que isso
maranhense
mais que isso
sanluisense
mais que isso
ferreirense
newtoniense
alzirense
meu corpo nascido numa porta-e-janela da Rua dos Prazeres
ao lado de uma padaria
sob o signo de Virgo
sob as balas do 24º BC
na revolução de 30

e que desde então segue pulsando como um relógio
num tic tac que não se ouve
(senão quando se cola o ouvido à altura do meu coração)
tic tac tic tac
enquanto vou entre automóveis e ônibus
entre vitrinas de roupas
nas livrarias
nos bares
tic tac tic tac
pulsando há 45 anos
esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,

combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vidamorte.


vida
ávida,
divida;
dividida
dádiva
da 
vida:
diva
dia
noite 
tarde
cedo
eu
não
cedo
nem
tar
de
vido
ávida
di
vidro
vida
plástica
cirúrgica
seu
pa
pel
plástico
vidro
de
vi
da
vi
da
vi
dro
em 
você
vi
dra
do
ca
co
de
vi
dro
em 
vo
cê,
o
que
vo
cê 
quan
do
crer
ser
vi
vi
aqui
lo
go.
não
lá:
men
te
diz
pensa
vir
ver
ver
da
de
ira
vida.
não
a
dia
a
á
vida
diva
va
dia
zia
da 
vida
não
du
vida
de
na
da
nem
do
na
da
na
da
mor
te.

a
mor
te
cer
ter
si
do
te
mor
te
vi
da:
o
a
mor
jun
ta
vid
a
mor
te.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Almir.

Nunca deixe a faca sobre a mesa, era o que eu sempre pensava, após lavar o que havia restado na cozinha, normalmente entre as três e as quatro horas da manhã. O que eu sempre pensava, o que eu sempre temia, temer é quase igual a pensar; é igual.

Eu lavo a madrugada, eu a purifico. Promovo esse ritual sob a sombra do sono deles, quando acordarem perceberão. Gosto da limpeza e dessa invisibilidade servil, dessa negação da pretensão, que coisa mais cristã, Cristo era virginiano? Um virginiano que nasceu de madrugada. Não, ele fazia milagres pra todo mundo ver. Enquanto eles sonham e descansam, sou eu quem cuido.

Me dei conta, em meio aos garfos, de que o silêncio estava agitado. Não era um silêncio verdadeiro, entende?, o alumínio roçava sobre o silêncio, rangia, deixava a madrugada mais suja. Por toda a parte, eu sentia a gordura e, na minha mão oleosa, eu ouvia o rangir, agora somado aos gritos, que eu julgava já ter calado, um a um. Um a um, um a um, um a um. Foi por isso que costurei, me agradam os mais diversos trabalhos manuais. Funcionam sempre como uma limpeza, a purificação, mesmo que incompleta, sempre incompleta. 

O rangir se tornava mais alto. Já não era possível distinguir entre ele e os gritos, por mais que eu esfregasse. Fundiam-se. Do mesmo modo eu me sentia mergulhado em gordura, parecia partir das mãos para o corpo todo, circulava em mim. Nunca houvera madrugada tão suja. Pela fresta da janela, eu via a massa espessa de nuvens, e a minha sensação de impregnação se totalizava.

Lavei pela última vez as mãos, guardei todos os utensílios nas gavetas correspondentes. Quando ouvi aquele riso contido ao pé da porta, tive certeza de que haviam finalmente encontrado o pai e os irmãos, e de que já estavam prestes a entrar. Tive tempo apenas para esticar o braço, alcançando a mesa, e me posicionar junto à parede. Nunca foi do meu interesse que aquilo durasse para sempre, era tudo tão inevitável quanto uma espera. Teria que sujar ainda mais aquela madrugada, a fim de poder, definitivamente, deixá-la limpa. Agora entendia porque, em meio aos gritos e ao som cortante do alumínio, me chegou o aviso sobre a faca. Nunca deixe a faca sobre a mesa, era o que eu sempre pensava.