sábado, 28 de maio de 2011

Passa pelos meus braços, por dentro, de modo fino e cortante. Aloja-se no peito, mais do que o possível, causa uma terrível sensação de excesso; o ar parece não ter mais lugar; cobre-me o rosto. Não cobre o rosto, traz um outro rosto, por cima do meu rosto, o que percebo sobretudo através do nariz, mas também através da boca. Tenho um nariz gigante e uma boca monstruosa, que tento arrancar, mas não existem. Inquieta-me as pernas também, deixa os dedos dos pés obsessivos, e depois os paralisa. Sinto esses pés como se não fossem meus, ou como se fossem cimento colado a mim; como se houvesse milhões de insetos dentro deles, como se não parassem de mexer, como se quisessem sair. A parte de trás da cabeça, com aquilo que veio dos braços e passou pelos ombros, adormece e dói, adormece e dói, adormece e dói. Adormece. Respiro devagar, fraco, por não haver mais lugar. Bóio, mexo um pouco mais os dedos; no vazio. Mexo os braços, tentando afastar. Aproximo. Um sabor ruim, na boca, restos, enquanto isso; aquela deslocalização metafísica que me traga, caio. Me calo, me cala. Queda num abismo mudo, sem fundo. Explodiria. Imóvel. Às vezes, tusso um pouco. Certo calafrio. Cheiro de fumaça, ou poeira, constante. Coçeira. S. O segundo nariz entope. Tenho vontade de decepar esse segundo rosto, mais do que arrancar, tudo me extrapola doentiomente. Faço careta. Nos dois rostos. Meu olho é de sapo. Me excedo o tempo todo. Procuro desfazer. Não consigo pensar. O pensamento bate várias vezes numa mesma parede. Não há nada que quebre, ou que ultrapasse. É inútil; sou; estou; sou; estou; estou: sou. O tempo passa, agrava, por si. Procuro esquecer para refazer. Sei que vai durar para sempre. Sei que vai acabar em breve, sem que eu perceba, sem que eu saiba, sem que eu tenha qualquer interferência. A menos que não dessa vez. Começo tudo de novo, como se nada tivesse acontecido, nunca; como se tudo tivesse mudado, agora. 

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