quinta-feira, 21 de abril de 2011

Por valer a pena repetir.

Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?

Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.

Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.

Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.

Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar. 
Ultimamente, muitas coisas têm fugido do controle.
Eu sou uma delas.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Falo a verdade;
não é por teoria
hipocrisia
ou só por poesia.
- o caso é de também.
Eu hoje defequei
uma epifania.

sábado, 16 de abril de 2011

cênico. cínico. sônico. cômico.
cônico. químico. tônico. canônico.

múmico.
mímico.
pânico.
fônico.

único.

Futuro do Pretérito.

O futuro do pretérito. O futuro do passado.
Faria. Seria. Viveria.
Se.

O futuro do pretérito não existe.
Existiria.

Fiz.

errei, mas fiz.
fui tudo o que eu era naquele instante, e não podia ser outro.

poderia não ter errado:
se não tivesse 
feito;
se fosse 
outro.

errei:
fiz.

Papelada

é uma pá sem roupas.

não se adie.

mais.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O-de-Brecht.

De manhã cedo leio no jornal os planos estupendos 
Do Papa e dos reis, dos banqueiros e dos barões do petróleo. 
Com o outro olho vigio 
A panela com a água do chá 
Como ela se turva e começa a borbulhar e de novo se aclara 
E transbordando da panela sufoca o fogo.
quando se é  
||||prolixo ||| 
|||quase||||||| 
|||||tudo ||||||| 
||||||||||||vai ||| 
||||||||||||pro|||
|||||||||||lixo.|||
eu sou o que eu sou.
o que eu sou sou o que eu sou.
o que o que eu sou sou o que o que eu sou sou.
o que o que o que eu sou sou sou o que o que o que eu sou sou sou?

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sobre a Ditadura da mentira e Democracia de verdade

Quarenta e sete anos atrás: e o Brasil mergulhava na Era da Mentira. O golpe covarde – uma rasteira, um golpe baixo – desferido contra o povo brasileiro tinha como objetivo central afogar a luta por um país mais justo, em uma data que não poderia ser mais simbólica. Pode-se dizer que foi escolhida a dedo. Não, não foi 31 de março: até nisso mentiram, honrando seu descompromisso histórico com a verdade. As elites brasileiras levam muito a sério a brincadeira, a ponto de que, a julgar por suas posturas, parecem tomar todo dia como dia primeiro de abril.
 
Nos anos 60, o Brasil vivia um momento muitíssimo interessante, vivo: as artes afloravam; o povo das cidades cobrava mudanças sociais; os estudantes se organizavam; as Ligas Camponesas exigiam políticas capazes de assegurar uma vida digna ao trabalhador rural. O que estava na ordem do dia eram reformas capazes de atingir a estrutura de nossa sociedade tão desigual. A reforma urbana, a reforma agrária, a reforma educacional, dentre outras, apontavam para uma ampliação da democracia e da efetivação dos direitos humanos dos segmentos historicamente penalizados pelo aparelhamento do Estado por parte das elites brasileira e internacional. Isso tudo, sim, poderia culminar numa Revolução, numa transformação progressista e democrática de nossa sociedade – ao contrário de um golpe traiçoeiro, que teima em chamar a si mesmo de “revolução”, sustentado pela mesquinharia antipopular e autoritária de um grupo que cabe em uma sala de jantar e apoiado por capachos das forças armadas e da classe média. Aliás, os militares sujam as mãos; mas os mandantes do crime são grandes proprietários: de terras, de empresas, de meios de comunicação.

Mas por que retomar o passado? O que passou passou, não é verdade? Não. É mentira. O que passou não passou. O que passou ficou: fica. Temos 5.800.000 famílias sem moradia digna em nosso país. A educação e a saúde públicas parecem dispensar dados: quem não sabe como funcionam em nosso país? E as 4 milhões de famílias de agricultores sem terra (o que, em geral, significará: sem terra, sem trabalho, moradia, alimentação adequada etc.)? Há – acreditem, é verdade – quem pense que esses problemas surgem de uma preguiça inata de nosso povo, que não quer trabalhar, estudar. Talvez essas pessoas devessem, um dia, visitar uma escola pública, um hospital público, uma comunidade urbana ou um acampamento de agricultores à beira de uma estrada. É provável que muitas perguntas sejam respondidas.

Em síntese, as esperadas reformas não aconteceram nos anos 60, e não aconteceram até hoje. E, se devemos falar de outros passados que não passaram, falemos dos meios de comunicação de massa. Em 02 de abril de 1964 (como não se dando conta de que já era um novo dia e confirmando a tese de que, para esta turma, todo dia é primeiro de abril), o jornal O Globo lançava em seu editorial: “Ressurge a Democracia!”. Chega a ser hilário; chega a ser hilário que isso seja afirmado no exato momento em que a democracia desaparece. Que curioso. Curiosa também a postura declarada do jornal Folha de São Paulo: “Não apoiamos o golpe, mas financiamos e apoiamos a ditadura.” Enfim, parece-nos que as declarações são esclarecedoras por si só, não exigem longos comentários. Mas talvez uma pergunta mereça pairar: acreditamos neles? Ora, não são esses mesmos sujeitos – ou seus herdeiros ou seus colegas de turma – que têm os grandes meios de comunicação em suas mãos hoje? Não são eles mesmos que dizem ou não – que continuam a dizer ou não dizer – o que bem querem do Governo, da política, dos movimentos sociais, da vida nacional? Merecem algum crédito? Deixaram de favorecer quem favoreciam e de criminalizar quem criminalizavam? O passado, é verdade, não passou.

Esses grupos, na verdade, nunca sofreram censura, precisamente porque estiveram sempre ao lado do regime. Mas vamos em frente, há mais. A dependência de nossa economia (taxa de juros, superávit primário, capital financeiro, Risco-Brasil, dívida, tudo aquilo que nos é colocado como um dado natural e que, no fundo, nos lasca) é a face atual da nossa submissão aos interesses das potências estrangeiras. A verdade é que a relação das elites locais com as elites internacionais é íntima: são melhores amigas. É muitíssimo natural e saudável (para elas) a relação entre multinacionais e representantes da Casa Branca com as oligarquias brasileiras. Trocam figurinhas, articulam-se; é de longa data, tem tradição. O “Wikileaks”, parabenize-se, tem revelado isso muito bem.

Há quem julgue ainda que não há mais repressão, que vivemos em “democracia plena” e que há completo respeito aos direitos humanos. Entendemos essa compreensão. Contudo, cabe aí uma conversa com moradores das periferias urbanas, com membros de organizações populares que reivindicam direitos, com estudantes. Assim, descobre-se facilmente se continua havendo ou não – e aos montes – repressão e ações estatais e paraestatais arbitrárias em nosso país, sob a mesma lógica. Aliás, em muitos casos, comandada pelos mesmos “sujeitos” que a praticaram n’outros tempos, não muito distantes.

Não se trata, aqui, de afirmar que tudo é igual, que nada mudou. O período da ditadura foi certamente mais difícil e mais cruel. No entanto, e de novo, o passado não passou, o que torna necessário acertar contas, a um só tempo, com o passado e o presente, em nome de um novo – verdadeiramente novo – futuro. Que se diga: os inimigos – porque há, sim, inimigos – da democracia ainda são os mesmos; e apenas o povo pode romper com a “resistência sociopática à mudança” dessas oligarquias, apegadas a uma eterna “modernização do arcaico”. Outros povos da América Latina nos dão o exemplo: julgam e punem a ditadura e seus representantes; reconhecem o importante papel daqueles que lutaram bravamente contra ela; lançam à lata do lixo o autoritarismo e deixam claro seu comprometimento com uma democracia de verdade. E nós; nós também podemos. Quem sabe, assim, viramos a página do calendário. O dia 2 de abril nos espera.

sábado, 9 de abril de 2011

Sobre o Bairro 23 de Janeiro

No Bairro 23 de Janeiro, uma das comunidades (se não, e, provavelmente, “a”) mais combativas e mobilizadas de Caracas, conhecemos o espaço utilizado pelos moradores para reuniões e atividades culturais. A data é a mesma em que caiu, em 1958, o ditador Marcos Pérez Jiménez, e 23 de Janeiro tem um longo histórico de lutas, que precede ao governo de Hugo Chávez. Fomos – nós, um brasileiro, duas chilenas, três argentinos (se não me engano) e um estadunidense – recebidos por um mico vestido em vermelho e por uma parede; a parede nos recebia com Che, ao lado de longas escadas, cheias de trabalhadores, cheias de povo: “Construyendo el poder popular!”. Conversamos com um grupo de mulheres, com as crianças que aprendiam percussão e visitamos o estúdio da rádio livre do 23 de Janeiro.

O estúdio, estivemos lá. Estivemos dentro, do que, antes, servia exatamente como cela para os lutadores populares: prender é como (tentar) calar. Grades e mordaças são irmãs. Mas o que, antes, prendia, calava, ou tentava calar, hoje, liberta e pronuncia. Não só o estúdio, todo aquele território era, no fundo, só isso tudo, este falar: um antigo posto policial, um pequeno forte repressivo, estrategicamente localizado, a serviço do sufocamento das vozes dissonantes ao projeto das elites venezuelanas, planejado e executado a cochichos em gabinetes e salões de festa; foi esse o espaço ocupado pelos moradores do 23 de Janeiro, tomado, arrancado: recuperado; o silêncio que mentia foi expulso junto com a polícia. O poder popular, libertando os vários espaços da comunidade, que ironia, garante a verdadeira segurança. 23 de Janeiro é, hoje, um dos bairros menos violentos de Caracas. 

Como num grito. Havia, sim, um cartaz do Grito dos Excluídos, as paredes eram mesmo vivas. Falavam muito do que tudo era ali. Mas o que os moradores do 23 de Janeiro nos dizem com isso é que libertar o mundo é romper as celas da garganta, para que irrompa o grito; e é libertar a voz pra fazer o mundo. É, também, muito, libertar territórios, e deixar que falem; deixar que falem, que cantem, que contem; a nossa história. O povo ensina assim:

terça-feira, 5 de abril de 2011

Ouvi. Houve.

Os termos utilizados pelas ditaduras militares na América Latina eram bastante claros, não deixavam dúvidas. Por conhecerem seu significado, no Brasil, era comum que os militantes populares esburacassem os enormes dicionários da língua portuguesa para, neles, esconder um revólver; e andavam com seus “Aurélios”, embaixo do braço. Essa era a linguagem; linguagem que a ditadura fizera tomar o lugar das palavras.

domingo, 3 de abril de 2011

Aquele sentado à cabeceira, lia sobre o carma, o dharma (o dharma, não, o dharma foi ela quem mencionou), o perespírito, em voz alta. Como de costume, quando fumávamos. Ao fundo da leitura, a formiga dançava sobre o azulejo. A criança, brincava com os instumentos da cozinha, exercitava seu gosto virginiano. A mulher, dividia sua atenção entre o primeiro e a terceira; entre observações que destacavam pontos da leitura e repetições do nome de sua filha. Eu. Eu, de certa forma, também. Atentava para o debruçado, diante de mim, que lia com o corpo inteiro, enquanto levemente espiava a menina. Por cuidado, e curiosidade intrínseca, por carma e por crianças. Mas me ocupava também em reparar na mulher, e esperar; por aquilo, que, só eu sabia?, estava por vir.


A formiga continuava a dançar. Parecia estar bêbada, contagiada, pelo quê?, havia encontrado companhia. A formiga continuava a dançar, então, agora acompanhada pela formiga menor. A mulher observou, como é interessante isso do carma, pronunciando em seguida, o nome. Ou pesado, talvez tenha sido pesado. Aquele sentado à cabeceira concordou rapidamente, com os olhos e um pouco de boca. A criança cuidava, naturalmente, embora já sonolenta, de continuar gastando a energia de seu corpo e exigindo olhares. Aquele sentado à cabeceira, lia sobre o carma, o dharma (o dharma, não, foi ela), o perespírito, em voz alta. Eu. Eu observava a todos, sem mover a pupila, a partir de um ponto fixo. E isso porque sabia: esperava. Apenas quem sabe espera?

Chegavam mais formigas, era um grande baile agora. A mulher, a mãe, o dharma é outra coisa, são como as ações, não? Também tão interessante – nome. À criança, cabia explorar o balde em que estavam as maiores colheres, o espremedor de frutas e o rolo do macarrão, levando à boca instrumentos imundos, os quais haviam sido delicadamente tocados pelas formigas que agora dançavam. Era extremamente adorável, embora aquela não fosse uma boa hora. Para levar a boca instrumentos imundos. Boa hora para. Aquele sentado à cabeceira, lia sobre o carma, o dharma (o dharma, não), o perespírito, em voz alta. Deslizou entre os dentes um rápido comentário sobre a sintonia entre dois espíritos, dois médiuns, de tempos diferentes; tornou a ler. Boa hora para que. Eu observava, um a um e a todos, esperava e, agora, punha-me a pensar: seria eu, mesmo, histérico? Aquele trecho dizia respeito ao cigarro. A mulher me fez uma pergunta, eu não entendi, pedi que ela repetisse: . Devia estar se referindo à menina, se eu for histérico, onde estará o sentido da vida? Se não no outro em mim? Sou. Perguntei, em voz alta, esbarrando os sons, o que seria a verdade de que Jesus falava; fui seguido por um vago, pífio, turvo som de flauta doce, ensaiava cambalhotas no ar. Não sou católico. Sou histérico.

As formigas eram inúmeras, abríam um imenso rombo sobre o azulejo. Formavam uma massa orgânica, de uma só cor. Me parece que era marrom, como a blusa da mãe, feita de formigas, não lembro bem. Tive a impressão de que ela me olhava. Talvez curiosidade, talvez uma olhar perdido, talvez uma tenra expectativa de que eu, mais uma vez, tentasse distrair educativamente a menina – lhe ensinando que, ao invés de brincar de desorganizar, poderia nos ajudar a organizar brincando. Obsessivo, não, histérico, tentava alimentar seu ímpeto de servir, ser útil. Funcionou, em parte. À criança, cabia desorganizar, organizar, aprender, e levar a cabo uma série de pausas – havia cadência, musicalidade –, uma para cada vez que seu nome fosse lançado, até que parasse, fumaça, de ecoar. Então, tornava a. Aquele sentado à cabeceira lia sobre o carma, o dhar., o perespírito, em voz alta. Eu, sobretudo, esperava. (Eu não era mais ali. Já me sentia passado, já me sabia memória; estava pra onde o tempo havia escorrido mais.) 

As formigas, trabalhavam. Segui para o quintal, levantei a cabeça o máximo que pude, quis procurar o céu, de modo que ele pudesse ver meu rosto. Vejo a sombra sobre o chão, desenhada a partir da porta. Trata-se da mulher, da mãe e da criança, além da filha; aproximam-se. Aquele sentado à cabeceira, lia sobre o carma... Lia sobre o carma, o perespírito, em voz alta. Catamos a Lua, e, depois de revirar, chegamos à conclusão de que ela só apareceria mais tarde. O Sol tem maior comprometimento com horários. Eu, apesar de histérico, não tinha nada a dizer, e não estava preocupado. Ela, parecia querer ter; não tinha, não para mim, ali. Quis me mover, fui até a pia escura, aquela que fica do lado de fora, cheia de larvas e lodo. Lavei a boca, as mãos, enfiei o rosto numa toalha branca, mas preta, e, por algum motivo, ou exatamente por nenhum, me senti melhor. A criança me chamou de “nenem”; eu disse que não, e sorri, o suficiente.

Retornamos. À mesa. Alguns instantes desabaram quietos. A mulher mãe resolveu mais uma vez pôr a criança para dormir, sob protestos que vazavam pelos olhos e inquietavam as mãos. As formigas haviam escancarado um vistoso portal, próximo à pia, em meio aos azulejos, em espirais. A mesa estava suja, muito suja. Eu, além de observar e esperar, agora percebia. Devolvi a cadeira ao seu lugar, vazia; me retirei.

Aquele sentado à cabeceira, lia sobre o carma, o dharma (sim, o dharma), o perespírito, em voz alta. Como de costume, quando fumávamos.