segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sair de casa assim, cuspido por esta casa, não se trata de uma escolha. Trata-se de ralo. Isso seria imitação demais, do argentino, em infinitivo (parece haver relação entre o infinito e infinitivo, algo a ser desprezado e, portanto, investigado). Mas foi o que me ocorreu, ralo, e me custa acreditar que algo que escrevamos não seja repetição, mera, seja de algo lido (em letras, note-se), seja uma tradução de algo que se encontrasse em outra forma, lido (também), gelatinosa ou não. A questão passa a ser, portanto, simplesmente de níveis, o que faz com que não importe: imitação de algo ainda não traduzido (em letras, observe-se), imitação do que já foi traduzido por outro babaca que pensou a mesma coisa, só que antes, questão de primazia. Imita-se o traduzido, portanto, nesta retórica vadia, cuspido por esta casa, após meu próprio (?) suicídio: devo confessar que não sabia, que não tinha certeza do que viria, o que me torna mais uma vez culpado por minha morte, o que me torna mais uma vez culpado, o que me torna mais uma vez, o que me torna mais uma, o que me torna, o que me, o que, o. Fui cuspido à rua, a casa, agora cuspo a rua, o cuspe, e a rua? cospe em quem? em todos, em forma de poças, esgoto, urina. A pretexto de fumar um cigarro. Uma história inventada, e agora o que resta entre as mãos é uma história inventada a partir dela, a história inventada, não há limites. Por mais que se saiba, eu sei, não é correto, não é correto cuspir ou atirar lixo às ruas, eu sei, ambientalmente correto, mesmo que ela poças, esgoto, urina, mas eu não podia mais carregar aquilo em mim, me desculpe, estava sujo e pesado demais, aquela mulher em mim. Correto, rígido, as mãos dela, eu tinha que tirar dos meus braços, as mãos dela e aquelas marcas, sujas, roxas, vermelhas, um vômito, quem não sabe como é. Eu tinha que tomar aquele banho (o pior eram as palavras) aquela caminhada banho cuspe que o silêncio da madrugada me oferecia, e procurar o medo, como forma de estar vivo. O medo e a enorme linha que separa a vida da morte, que costura, a vida e a morte. Percebo só agora que havia um ralo nas ruas mais escuras, nos lugares mais remotos, de morcegos e gatos negros, nos cigarros, lugares mais remotos como aquele homem, que dormia na calçada da loja de colchões, quando deveria ser o contrário (dormir no colchão da loja de calçadas). Havia, neles, ralo, a casa, o cuspe, o ralo; eu, a morte, o medo, ressureição: fui cuspido, traguei; fui tragado; cuspi. Enquanto me perseguiam as folhas, os grilos, os copos plásticos, na ventania; as calçadas e os colchões, o esquecimento dela. Não se trata de uma escolha: ralo. Foi pra isso que morri?

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