segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sobre a Ditadura da mentira e Democracia de verdade

Quarenta e sete anos atrás: e o Brasil mergulhava na Era da Mentira. O golpe covarde – uma rasteira, um golpe baixo – desferido contra o povo brasileiro tinha como objetivo central afogar a luta por um país mais justo, em uma data que não poderia ser mais simbólica. Pode-se dizer que foi escolhida a dedo. Não, não foi 31 de março: até nisso mentiram, honrando seu descompromisso histórico com a verdade. As elites brasileiras levam muito a sério a brincadeira, a ponto de que, a julgar por suas posturas, parecem tomar todo dia como dia primeiro de abril.
 
Nos anos 60, o Brasil vivia um momento muitíssimo interessante, vivo: as artes afloravam; o povo das cidades cobrava mudanças sociais; os estudantes se organizavam; as Ligas Camponesas exigiam políticas capazes de assegurar uma vida digna ao trabalhador rural. O que estava na ordem do dia eram reformas capazes de atingir a estrutura de nossa sociedade tão desigual. A reforma urbana, a reforma agrária, a reforma educacional, dentre outras, apontavam para uma ampliação da democracia e da efetivação dos direitos humanos dos segmentos historicamente penalizados pelo aparelhamento do Estado por parte das elites brasileira e internacional. Isso tudo, sim, poderia culminar numa Revolução, numa transformação progressista e democrática de nossa sociedade – ao contrário de um golpe traiçoeiro, que teima em chamar a si mesmo de “revolução”, sustentado pela mesquinharia antipopular e autoritária de um grupo que cabe em uma sala de jantar e apoiado por capachos das forças armadas e da classe média. Aliás, os militares sujam as mãos; mas os mandantes do crime são grandes proprietários: de terras, de empresas, de meios de comunicação.

Mas por que retomar o passado? O que passou passou, não é verdade? Não. É mentira. O que passou não passou. O que passou ficou: fica. Temos 5.800.000 famílias sem moradia digna em nosso país. A educação e a saúde públicas parecem dispensar dados: quem não sabe como funcionam em nosso país? E as 4 milhões de famílias de agricultores sem terra (o que, em geral, significará: sem terra, sem trabalho, moradia, alimentação adequada etc.)? Há – acreditem, é verdade – quem pense que esses problemas surgem de uma preguiça inata de nosso povo, que não quer trabalhar, estudar. Talvez essas pessoas devessem, um dia, visitar uma escola pública, um hospital público, uma comunidade urbana ou um acampamento de agricultores à beira de uma estrada. É provável que muitas perguntas sejam respondidas.

Em síntese, as esperadas reformas não aconteceram nos anos 60, e não aconteceram até hoje. E, se devemos falar de outros passados que não passaram, falemos dos meios de comunicação de massa. Em 02 de abril de 1964 (como não se dando conta de que já era um novo dia e confirmando a tese de que, para esta turma, todo dia é primeiro de abril), o jornal O Globo lançava em seu editorial: “Ressurge a Democracia!”. Chega a ser hilário; chega a ser hilário que isso seja afirmado no exato momento em que a democracia desaparece. Que curioso. Curiosa também a postura declarada do jornal Folha de São Paulo: “Não apoiamos o golpe, mas financiamos e apoiamos a ditadura.” Enfim, parece-nos que as declarações são esclarecedoras por si só, não exigem longos comentários. Mas talvez uma pergunta mereça pairar: acreditamos neles? Ora, não são esses mesmos sujeitos – ou seus herdeiros ou seus colegas de turma – que têm os grandes meios de comunicação em suas mãos hoje? Não são eles mesmos que dizem ou não – que continuam a dizer ou não dizer – o que bem querem do Governo, da política, dos movimentos sociais, da vida nacional? Merecem algum crédito? Deixaram de favorecer quem favoreciam e de criminalizar quem criminalizavam? O passado, é verdade, não passou.

Esses grupos, na verdade, nunca sofreram censura, precisamente porque estiveram sempre ao lado do regime. Mas vamos em frente, há mais. A dependência de nossa economia (taxa de juros, superávit primário, capital financeiro, Risco-Brasil, dívida, tudo aquilo que nos é colocado como um dado natural e que, no fundo, nos lasca) é a face atual da nossa submissão aos interesses das potências estrangeiras. A verdade é que a relação das elites locais com as elites internacionais é íntima: são melhores amigas. É muitíssimo natural e saudável (para elas) a relação entre multinacionais e representantes da Casa Branca com as oligarquias brasileiras. Trocam figurinhas, articulam-se; é de longa data, tem tradição. O “Wikileaks”, parabenize-se, tem revelado isso muito bem.

Há quem julgue ainda que não há mais repressão, que vivemos em “democracia plena” e que há completo respeito aos direitos humanos. Entendemos essa compreensão. Contudo, cabe aí uma conversa com moradores das periferias urbanas, com membros de organizações populares que reivindicam direitos, com estudantes. Assim, descobre-se facilmente se continua havendo ou não – e aos montes – repressão e ações estatais e paraestatais arbitrárias em nosso país, sob a mesma lógica. Aliás, em muitos casos, comandada pelos mesmos “sujeitos” que a praticaram n’outros tempos, não muito distantes.

Não se trata, aqui, de afirmar que tudo é igual, que nada mudou. O período da ditadura foi certamente mais difícil e mais cruel. No entanto, e de novo, o passado não passou, o que torna necessário acertar contas, a um só tempo, com o passado e o presente, em nome de um novo – verdadeiramente novo – futuro. Que se diga: os inimigos – porque há, sim, inimigos – da democracia ainda são os mesmos; e apenas o povo pode romper com a “resistência sociopática à mudança” dessas oligarquias, apegadas a uma eterna “modernização do arcaico”. Outros povos da América Latina nos dão o exemplo: julgam e punem a ditadura e seus representantes; reconhecem o importante papel daqueles que lutaram bravamente contra ela; lançam à lata do lixo o autoritarismo e deixam claro seu comprometimento com uma democracia de verdade. E nós; nós também podemos. Quem sabe, assim, viramos a página do calendário. O dia 2 de abril nos espera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário